Pediu desculpas, ao dar um encontrão, para uma das moças que circulavam pela calçada em busca de companhia. Viu quando o ônibus 136: Leopoldina-Bairro Peixoto, acabava de sair do ponto. Mudou de idéia, não iria para casa naquela hora. Por pouco teria esquecido de um encontro. Chegaria bem mais tarde, não daria tempo para assistir ao Bem Amado na televisão. Nem ligou para as louças jogadas na pia do dia anterior, véspera de um jantar aconchegante com Simone, que lhe fez companhia durante toda a noite, que pela manhã saiu não sem se despedir como de costume, pegou o dinheiro deixado reservado na gaveta da escrivaninha, fechou a porta devagar, desceu pelas escadas. Simone evitava ser vista ao sair do apartamento, às vezes encontrava com seu Manuel, o porteiro lavando a calçada, cumprimentava e seguia rumo ao ponto de ônibus. Duas vezes por semana, tinha este encontro marcado.
Voltou a chover ao anoitecer. Detestava usar guarda-chuva, preferia a velha capa. Era o último dia do mês. A chuva aumentava de intensidade no centro, as ruas com bueiros entupidos, começavam a ficar alagadas. As obras na cidade tumultuavam o ambiente, era um caos.Obras do metrô esburacavam a paisagem. Um grupo de pivetes passou correndo por ele, chegou a ficar assustado. O pagamento saiu no final do dia. Tinha sido descontado o vale, pego em uma emergência. O que recebia não dava para muita coisa de extraordinário.
Olhou de um lado ao outro da calçada, também para o relógio e não viu quem esperava. Pudera, não estava ali. Ele pela segunda vez, voltara ao mesmo local. Conseguiu com dificuldades falar ao telefone, depois de várias tentativas, ninguém atendia.Economizou as fichas que havia comprado.
Aquele homem franzino, de passos ligeiros, uma rala barba no rosto, estava sempre com aquela bolsa a tiracolo. Havia uma grande curiosidade da parte de alguns vizinhos e colegas da firma, piadinhas rolavam, no momento em que passava. Simone da última vez que estiveram juntos, também ficou curiosa, chegou a comentar com ele. Dava de ombros, não ligava. Andava com aquela bolsa, parecia fazer parte do seu corpo, em qualquer lugar que fosse, estava com a bolsa, até mesmo no banheiro, era a sua companhia inseparável para aqueles momentos de privacidade. Parecia - comentou Helena sua colega pela parte da manhã no escritório - que o seu mundo estava ali guardado, escondido, carregado. Não poderia ser visto. Estava vedado a curiosidade alheia.
Observação: Imagem exposta pertence ao acervo da artista plástica paulistana Niobe Xandó. Nascida
Continua.
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