domingo, 4 de maio de 2008

Um lixinho aqui, outro ali e a cidade vai ficando um lixo.
















O Bicho

Vi ontem um bicho
.
Na imundicie do pátio

Catando comida entre os detritos
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,

Não era um gato

Não era um rato

O bicho, meu Deus, era um homem.


*Manuel Bandeira(1886-1968), escrito em 27 de dezembro de 1947, incluído em Estrela da vida inteira.

Agora quando começo a escrever escuto alguém varrendo a calçada, aqui em Copacabana, escuto ou presencio alguém varrendo a rua, seja um porteiro ou um varredor da Comlurb. Por mais que estes trabalhadores, conhecidos como garis, façam a sua parte, a população que transita pelo bairro, sejam moradores ou não, muitos deles colaboram firmemente sujando as ruas. Por mais que a calçada ou a rua esteja um “brinco”, em poucos minutos, ficará suja novamente. O ato limpar e sujar são verbos ou ações que são conjugados diuturnamente. Além das ruas que a população gosta de deixar o lixo, há outros espaços que são contemplados pela população deixando todos os tipos de lixo, são: os terrenos baldios, os rios, lagos, lagoas, praças, praias e mar.

Há ainda folhas, galhos, entulhos e terra. Convivemos com muita sujeira em qualquer lugar em que se vá, são detritos espalhados por todos os cantos. Reconheço que hoje houve uma melhora na coleta do lixo, há mais gente envolvida na coleta seletiva, com a forte presença de catadores em um trabalho de reciclagem, há um grande aproveitamento do lixo com separação em orgânico e inorgânico. Sem duvida que a cidade foi transformada em uma grande lixeira, há porcalhões oriundos de diversas condições sociais. Contêineres nas praias são solenemente ignorados pelos banhistas.

Tenho visto pessoas de diversas idades jogando, espalhando o seu lixo pela rua, fingem que nem é com eles, são capazes de ignorar a lixeira e o gari, creio que muitos acham mesmo de enorme inutilidade as lixeiras, que enfeiam tanto as ruas que jogam o lixo muitas vezes do lado de fora dos cestos. Quando presencio cenas desta natureza, fico irritado, perplexo, mas fico calado, não quero gerar nenhum conflito, hoje em dia com tanta violência rondando o nosso cotidiano que é melhor preservar a sua vida, por qualquer coisa um sujeito mata o outro sem pestanejar.

Muitas vezes vi alguém jogando latinhas pela janela de algum veiculo, percebo que o sujeito quer se livrar deste incomodo e atira o lixo mirando na rua. Acho que ficam orgulhosos deste gesto. Lembro que quando viajava pelo metrô nos anos 90, o comportamento dos usuários deste tipo de transporte considerado como o mais limpo do mundo, era uma verdade, com a ampliação das estações, com o transito maior de passageiros nos vagões, a sujeira tomou maior volume, tanto que recolhem toneladas de lixo no final do mês, mesmo assim, é bem limpo.

Acredito que a diminuição do lixo jogado na rua, um espaço publico por excelência, estaria ligada a mudança de hábitos, cuja participação da sociedade, motivada por uma conscientização coletiva, seria o caminho, que pode ser alcançado através de divulgação maciça na mídia. Nos registros de minhas lembranças, recordo do personagem Sugismundo de cunho educativo que circulava pela tv na década de 70, que sustentava a idéia de “povo desenvolvido é povo limpo” produziu algum efeito, mas de curta duração, no entanto, vejo dificuldades para qualquer perspectiva de mudança, pois é um habito arraigado nas pessoas de difícil remoção.

Convém lembrar que o comércio informal com suas bancadas espalhadas, os ambulantes, geram muito lixo, poucos conseguem recolher os lixos produzidos por suas atividades, lembro que os trabalhadores informais privatizam o espaço público de modo desordenado e autoritário, dificultando e estreitando em cada vez mais o espaço destinado a pedestres.

Em minha rua durante a noite, noto a intolerância de motoristas em seus carros buzinando loucamente, irritados, gritam e xingam o pessoal que trabalha no caminhão de limpeza que para fazer a coleta domiciliar inevitavelmente impedem a passagem de outros veículos. Motoristas alucinados fazem questão de não reconhecer o trabalho dos outros, buzinam insistentemente para pedir passagem, não avaliam que ao fazer este barulho, perturbam os demais moradores em suas residências, acham que podem importunar os outros, mas que não aceitam sob hipótese alguma serem atrapalhados, ainda mais por um caminhão da limpeza urbana.

A sujeira deixada pelo cachorro, não me foge a idéia que flagro neste momento de que parte desta população que joga lixo no chão, que suja a cidade, expõe uma questão importante que é a ausência da educação, embutido muitas vezes em preconceito social, da consciência do espaço público. De nada adianta colocar avisos, isto não provoca vergonha para quem suja, pelo contrario faz com que ele reclame da atitude do outro, da sujeira da cidade, do entupimento, das ruas alagadas.

O bairro de Copacabana as ruas continuam sujas, com a prestimosa colaboração dos panfleteiros que mesmo proibidos, continuam a distribuir seus panfletos, alias no sábado vi na esquina da Rua Santa Clara, um grupo de moças e rapazes distribuindo panfletos, todos identificados com as lojas próximas; vi um senhor amassar um papel e jogar no chão ao receber de uma das moças, no entanto, para a minha admiração a moça abaixou-se e recolheu o papel. A cada dia a população que transita pelo bairro, sem esquecer os moradores de rua, produz mais lixo, que por sua vez, pode entupir bueiros, provocar enchentes. O lixo é um problema que gera agressão ambiental, se olharmos para as praias, rios e lagoas. Acho que a prefeitura através da Comlurb tem feito um bom trabalho, mas que fica tremendamente prejudicado por vários fatores que basicamente norteiam o comportamento das pessoas que ainda se mostram refratarias a colaborar na limpeza dos espaços públicos, uma delas é a preguiça de procurar uma lixeira.

Para mim está claro, além do hábito, está à noção, de que alguém vai limpar, é produzido muitas vezes no interior da casa ao deixar para os pais limparem ou a empregada. Se na escola suja, tem a faxineira que faz; se na rua suja, o lixeiro está aí para isso. Vai haver sempre alguém em condição social inferior para fazer a limpeza.

Um estudo do psicólogo social Fernando Braga da Costa, que defendeu o mestrado na USP em 2002: Gari – Um estudo de psicologia sobre invisibilidade pública, publicado em livro pela Globo com o título: Homens Invisíveis – Relatos de uma humilhação social. A experiência e os relatos de Fernando, no papel de gari, trabalhando no campus da USP, é muito interessante, tive conhecimento de parte de sua tese, há muito tempo e circulava pela internet, veio à tona, no final dos anos 90. Ao começar a escrever este post, lembrei também da poesia O Bicho publicada em dezembro de 1947, incluída na obra poética completa de Manuel Bandeira, A Estrela da Vida Inteira, editado pela Nova Fronteira.




Antonio Berni - Nasceu em Rosário, Argentina, em 1905 e faleceu em outubro de 1981