sexta-feira, 21 de março de 2008

Chulipa, o Vira-Latas e a Passarinha dos Lindos Olhos.


















Conversas, muitas conversas podem às vezes ser apenas um papo furado, ou para alguns o famoso lero-lero que resulta mesmo em nada, quando muito é para enganar o tolo com conversa fiada, com aquele sabor de encher lingüiça. Era a imagem de Chulipa, o Vira-Latas boa praça que freqüentava as praças das redondezas. Todas não! Menos uma, aliás há muito que não dava o ar de sua graça e malandragem,na pracinha da paróquia,vizinha à comunidade do Rato Malhado.

O que vou contar para vocês, aconteceu, em um certo dia do mês de março, numa tarde ensolarada, depois de jogar conversa fora com o velho e querido amigo gambá Ventania. Chulipa começou a paquerar uma passarinha que freqüentava à praça com um grupo de amigas. Desde que separou de Julieta Cambaxirra por incompatibilidade de gênio, Chulipa estava livre para fazer o que bem entendesse. Sem emprego, foi dispensado como porteiro de um clube de várzea onde jogava como lateral esquerdo, o primo Gavião.O dono do clube e da bola, era o engravatado Sapo Gordo, um cartola que mandava e desmandava no clube.
Ao cair da tarde, em uma sexta-feira, o time treinava sob forte chuva, acertavam cada vez mais uma enormidade de passes errados, o dirigente entusiasmado, também técnico, cismou de escalar o zagueiro Cabeça de Bagre no ataque, convencido de que deste jeito o time alcançaria as vitórias que necessitava para ganhar o campeonato.
Cinco burros uniformizados que assistiam ao treino nas cadeiras sociais, relincharam e aplaudiram a inteligente decisão do dirigente. Chulipa avistou o dirigente, que acabara de matar com um tapa uma mosca que o incomodava, zumbindo em sua volta. Opa, vai ser hoje! Chulipa com ares de quem tomou uma decisão e como quem não quer nada, andando cabisbaixo, com o rabo entre as pernas, partiu em direção do dirigente e foi pedir aumento de salário. O dirigente que fumava uma cigarrilha e que não costumava falar com subalternos, nem ouviu, tão logo se aproximou, deu logo dois chutes no traseiro de Chulipa e o mandou para o olho da rua.
Por uns tempos ficou morando na rua da amargura, sem número.
Chulipa era metido a conquistador e dançador. Freqüentador assíduo de gafieiras, ali em uma dança de salão conheceu Cambaxirra, em uma noite de verão, no dia seguinte foram morar juntos em uma cabeça-de-porco. Tiveram seis filhotes, sobrevivem cinco.
O mais velho ainda menor fugiu de madrugada, abandonando os pais e juntou-se ao bando de Formigão, líder de uma facção, admirado por muitos dos moradores da comunidade. Partiu para ganhar a vida, as manchetes da Voz da Floresta e o mundo. A filhota que Chulipa sempre quando chegava em casa, brincava cantando: "Oh coisinha tão bonitinha do pai", crescida gostava de se fantasiar de mariposa e ficar passeando nas imensas calçadas de pedras portuguesas. Os outros quatros filhotes não conseguiram estudar nem trabalhar. O terceiro foi aquele que tinha mania de enfrentar filas em postos de saúde e de trabalho, não conseguia ser atendido, muito menos uma vaga em um emprego. O quarto não saia do quarto, em silêncio, trancado, gostava de ler e recortar revistas, passava horas e mais horas desenhando vestidos. Não perdia desfiles pela tv, nem novelas, ficou gamado pelo Boi Bandido. Adorava a novela América. Empolgado juntava em um saco, patacas e tostões, para um dia, quem sabe, ir de mala e cuia, na companhia de um boi, morar fora da comunidade. Muito, muito distante daquele lugar. O quinto foi direto para os quintos dos infernos na semana passada, encontrou uma bala perdida em seu corpo, não resistiu e veio a falecer. A sexta, bem a sexta, só gosta de namorar, cachorros sarados, de preferência pit-bulls. Cruza mares, pernas e bares em busca de seu amor, de sua alma gêmea.Consulta horóscopos, búzios, cartomantes e alguns oráculos.
Longe da Cambaxirra e dos filhos. Era um cachorro sem dono, sem companheira, sem filhos. Pensando no mundo cão, a idade chegando, o tempo passando. Chulipa começou a querer conquistar de preferência, as mais novas do que ele. Assim que avistou uma franguinha no pedaço por onde passava, deu logo em cima. Num piscar de olhos, lá estava com a franguinha toda derretida para Chulipa. Entre beijos e beijos de tirar o fôlego.
Já era a quinta volta em menos de dois minutos que passava diante do grupo, ficava rodeando, encantado mesmo com os olhos da jovem passarinha, que chegou a cantar: "Que lindos olhos, que lindos olhos têm você! E ainda hoje, ainda hoje eu reparei! Se eu reparasse há tempo. Eu não amava, Eu não amava quem amei". A passarinha mais do que depressa, desceu do galho, deu dois suspiros, foi embora. Foi um agito no grupo, a pombinha estufou o peito irritada por ter que acompanhar a passarinha. Havia prometido de pés juntos para a mãe da Passarinha, que voltariam juntas para casa; não houve jeito, arrulhou baixinho protestando contra a saída repentina da amiga. Logo hoje! Que havia marcado um encontro com Carcará. Sorte dela por ter Carcará, atrasado ao encontro, senão, teria de ficar. Pombinha Branca vou para casa, não adianta impedir. Quero me livrar deste inconveniente, malandro, metido a conquistador. Cheio de blá blá, de ti ti ti. Não tem nem onde cair morto. Se não tem moto, triciclo, patins ou bicicleta, nem me interessa. Dou preferência para quem tenha uma moto, para sair pelas estradas deste mundo que Deus me deu.Um pobretão! Estou fora! Não quero saber e tenho raiva de quem sabe.
Assim que olhou para a esquina, surgiu para o seu espanto, Pai Coruja muito irritado. Soube pelas fofoqueiras da comunidade que a sua Passarinha, filhota querida, muito aplicada nos estudos e nas aulas de dança flamingo, estava de conversa fiada com um desconhecido no banco da praça. Dona Abelhuda, uma das que garantiu de pés juntos, pelos olhos que a terra há de comer, que viu e não inventou que a Passarinha Sarinha, filha mais nova de Pai Coruja, que vivia com ele e não com a mãe, estava aos beijos e abraços e outras saliências com um desconhecido, ainda por cima, casado.
Onde nós estamos? Perguntou irritado Pai Coruja, Ué!!! Estamos na praça, meu querido pai. Pai tudo mentira! Pode perguntar para a Pombinha Branca. Você acredita mais nas fofoqueiras do que a sua filhinha do coração? Quando o senhor chegou, eu estava com algum cachorro, safado e sem-vergonha querendo me conquistar? Sou e continuo sendo a filhinha do papai. Filhinha, aquele que está encostado a um poste mais adiante, não parece com quem a Dona Abelhuda falou? Não deu tempo nem de responder. Pai Coruja pegou uma peixeira que estava escondida e foi atrás do desconhecido, que saiu em desembalada carreira, assustado. Daquele dia em diante nunca mais voltou a passear na praça e a procurar a linda passarinha dos lindos olhos. Se voltasse seria o alvo preferido do Pai Coruja.
* Svavar Guönason - Pintor expressionista islandês

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