sexta-feira, 14 de março de 2008

Lino e seu avô - Uma amizade sem fim.

O Ratinho Lino passeava pelos corredores da biblioteca, não tinha nenhuma preferência por autor ou título, mas ficou muito entusiasmado quando passou por uma estante em que tinha na capa de um livro uma imagem de um queijo. Deu uma parada, pegou um banco, a lanterna, com algum sacrifício subiu e deste jeito pode se aproximar do enorme livro colorido. Tentou carregar, quase caiu junto com o livro. A biblioteca estava às escuras, havia faltado luz. A bibliotecária dona Margarida, tirava um cochilo. Não deu conta do ilustre visitante de todos os dias. Lino abriu o livro e viajou para muito longe, na volta disse para o amigo que aprendeu muito. Como viajou Lino? Se não saiu daqui, estava próximo, vi você sentado, naquela sala da biblioteca que poucos visitam. Lino era freqüentador da biblioteca, tinha o hábito de ler desde pequeno, quando morava com a família em um sebo, que era localizado lá do outro lado do Jardim das Borboletas, ali durante à noite, depois que a livraria fechava e os dois gatos para alegria de Lino, iam dormir, começava então a fuçar os livros empoeirados das prateleiras. Lino era um ratinho educado pedia licença para as traças que acabavam de traçar um saboroso livro de culinária e iniciava a sua procura e passeio pelas prateleiras.
Lino tinha muito cuidado ao cheirar os livros, foi a lição que aprendeu após ver ao conviver com o avô. Vovô ia de um lado ao outro, impaciente, quando sentado em uma caixa de livros vazia, notei que a fome de livros que andava, era tanta, que pegou o primeiro livro dentro de uma sacola deixada de lado, junto ao lixo, após três mordidelas em uma dobra de pé de página, dadas pelo avô, viu assustado seu amigo e companheiro cair durinho da silva ao seu lado, envenenado. Tentou chamar o avô, balançou o corpo, fez cócegas, levantou o pé, deu um beliscão e nada do avô responder. Aquele corpo estendido no chão da livraria, sairia dali apenas, quando Civetta, o dono da livraria na manhã seguinte chegasse para abrir a loja. Era um dia de feriado do mês de setembro, de um dia chuvoso e de muito frio.
Que situação! Pensou ele com os seus botões. Vovô! Vovô! gritava bem alto para ele e para quem estivesse distante pudesse ouvir, que chamava pelo avô. Corria de um lado pro outro em busca de uma ajuda. Bati com força na portinhola, mas os ratos do porão estavam trancados, entretidos com a música que ensaiavam, nem me ouviram. Os ratos de praia saíram cedo, levando pranchas, era uma turma que pensavam apenas neles.
As lágrimas, uma por uma, escorreram por minha face, gostava muito dele, ensinava e contava histórias divertidas. Trazia quando saia, enormes pedaços de queijos, barras de chocolates e pacotes de miojo. Eu era um ratinho que gostava de miojo com sabor de queijo, de quatro queijos e de pizza, no fundo no fundo, gostava mesmo era o de galinha. Dizia, ele e vovó que era surpresa. Hoje, tem surpresa? Era uma das minhas indagações. Lino era o primeira neto, o número um. Uma amizade sem fim, tecida e recheada de afeto e alegria por todos os lados. Com as muitas brincadeiras e sonhos, crescia e conhecia o mundo, antes mesmo das palavras.
O primeiro livro que vovô deu de presente de aniversário foi o Gato e o Rato, achei muito legal, fiquei encantado com as ilustrações, agradeci muito ao vô, dei dois beijinhos nele e fui brincar. Brinquei muito, a livraria estava vazia, há muitas horas do dia que não entrava nenhum cliente, ficava sempre entregue às moscas. Os dois gatos angorás, sairam cedo, foram ao veterinário tratar da asma de Januário, o gato mais velho, e o mais surdo deles. Ficava na maioria das vezes sonolento, perdia horas e mais horas se lambendo. No entanto, bastava alguém de minha familia passar para mostrar as garras e sair em desembestada corrida atrás de seu alimento preferido. O mais novo, já idoso, andava espirrando muito, além dos problemas na vista direita e dos pêl
os caindo.Tinha a mania de subir em um balcão de livros, ficar deitado por ali, se espreguiçando. Vez por outra, abria para os poucos clientes da livraria, um largo sorriso de agradecimento pela visita.
Vovô lia muito, em sua estante, vovô tinha uma estante de madeira escura e alta, com um amontoado de livros espalhados, tudo em perfeita desordem entre as prateleiras: Os Três Ratos Cegos e outras histórias, A Ratoeira, A Peste, O Grande Massacre dos Gatos, Os Ratos e O Gato Preto, são os livros que lembro agora. Em um canto com um marcador de papelão, o livro Seminário dos Ratos, um dos últimos que vovô lia antes de dormir; um pouco que escondido, uma grande pilha de revistas de Tom e Jerry, algumas poucas revistas do Mickey, um exemplar de Topo Gigio, um rato italiano, que vovô disse que apareceu na televisão que gostava de rezar, dançar e cantar a música Meu Limão meu limoeiro, havia guardado para mim, tinha achado este exemplar no lixo.
Eu ficava olhando para o meu avô em silêncio. De olho na televisão assistindo Os Backyardigans e nas travessuras do vovô. Vovô Ra Tom, acho que era mais levado do que eu, acho não, tenho certeza.
Um dia, não contei para nenhum dos meus amigos, fiz tanta bagunça, mas tanta que meu avô ficou bastante aborrecido. Bom, não era para menos, neste dia, eu aprontei, vovô falou para mim: Lino, aí não pode brincar! Não liguei, ri dele, e por teimosia, continuei com a brincadeira que me divertia muito. Até de empurrar e beliscar meu irmão, me divertia. Não queria que Riri meu irmão me atrapalhasse. Desafiei meu avô, fazendo careta, gritava: Ninguém me pega, ninguém me pega! Não queria escutar o que o vovô dizia. Vovô saiu dali, foi para um outro local, para o quarto. Vi que vovô estava sério e triste, fui conversar com ele, fui atrás dele. Vô Tom! Vô Tom! Não quis me ouvir, não respondia.
Voltei várias vezes e tudo se repetia, nem olhava para mim, nem respondia. Fiquei agora muito chateado, meu avô, o meu melhor amigo não queria falar comigo. Ofereci pedaços de queijo sem sal, de ricota, de requeijão e vovô sem pena de mim, mandava com as mãos, sem olhar para mim, para que eu voltasse para a cozinha. Não adiantava, estava em instantes perto de meu avô, cutucando a sua barriga, passando a mão em seus pelos da face e nada. Mamãe quando soube deu maior bronca. Lino, vá pedir desculpas ao seu avô! Fingi que não escutava a minha mãe, fiquei calado e nem pedi desculpas. Papai também deu uma bronca, vovó soltava fumaça pelas ventas, ficava ao meu lado, nem sei porque, pois cá prá nós, o meu avô estava certo, fiz muita bagunça e não dava à mínima, deixava tudo espalhado, como faço lá em casa. Ali na livraria era a casa de meus avós
. Sou um rato de livraria, sei que na casa de meus avós tenho uma liberdade maior do que quando estou em minha casa. Os avós são diferentes e muito dos pais da gente. Fazem tudo que eu quero, quer dizer, quase tudo.
Deitei ao seu lado, cheguei a me cobrir com um lençol azul e pedi para contar histórias de antigamente, tipo daquelas que contava na Quitanda e na Esquinas do Tempo, de falar sobre a Clube da Colina, nosso time do coração, vovô continuou calado, sem olhar para mim, se alguma lágrima passeasse em meu rosto, nem saberia. Fiquei muito sentido e passei a entender mais o meu avô, depois de ter passado o silêncio, quando levantou. Na hora de voltar para casa, me pegou no colo, não deixei ninguém entrar no elevador, apenas eu e meu avô. Vovô viu que lágrimas escorriam pela minha face, ali estava as minhas desculpas para ele, entendeu, me deu um forte abraço, me cobriu de beijos e voltou a conversar baixinho comigo, uma conversa, só nossa.
De confissões e segredos, muitas risadas e peraltices.
Fiquei de contar tanta coisa pro meu avô, que estava na escola, que ia aprender a ler e escrever. Que tinha muita vontade de escrever uma carta para ele, contando que conheci uma amiguinha na escola, que me emprestou um livro que não tinha lido. Era O Rato do Campo e o Rato da Cidade, ainda não devolvi o livro, mas assim que terminar vou devolver para Milica.
O tempo passou, às vezes, até de pressa, num piscar de olhos.
Sei vovô que a sua vista estava cansada de tanto ler, mesmo assim, lia para mim. Hoje gosto tanto de livros, que penso quando crescer virar um livreiro, e agora quero mostrar para o senhor que tenho uma surpresa para lhe falar, quero ser escritor, assim deste jeito, traria o senhor de volta.
Um amigo, vovô seja em que tempo for sempre precisamos deles, mesmo distantes, como agora. Vovô Tom mesmo não estando mais aqui, gostaria de dar um abraço bem apertado igual aqueles quando fomos apresentados um ao outro. Muito Prazer, sou o seu neto, o prazer é igual, sou o seu avô, assim em silêncio, acho que pode me ouvir, pois quero lhe agradecer por ter me apresentado o mundo dos livros, em seus diversos formatos e assuntos, um mundo divertido, de mistérios e de amplos conhecimentos, que abriu portas e as janelas para que eu saísse em busca de outros mundos. Se algum dia pensou que o seu neto ia esquecer de você, enganou-se. Vovô, sabe um grande amigo nunca se esquece.




*Manuel Figueira : Natural da Ilha de São Vicente, em Cabo Verde. Imagem (Cauteleiro de Lisboa) (Vendedor ambulante de cautelas = bilhetes de loteria)
























2 comentários:

Lia Noronha disse...

Wilton: fico feliz em chegar aqui em um de sua esquinas...e te encontrar cheio de inspiração!
Bjus bem carinhosos pra ti da amiga de sempre.

Lia Noronha disse...

Um fim de semana bem tranquilo pr avc e sua maravilhosa família.