segunda-feira, 3 de março de 2008

Vida de Sapo

Lula Lelé, um ex-sindicalista amigo do Sapo dos tempos em que brincavam muito de pular carniça, mais o filho caçula de Vavá, o Urubu, velho inspetor do grupo escolar localizado lá na periferia dos Jardins das Borboletas. Lula Lelé amigo do Sapo, gostava de contar para os coleguinhas que a primeira escola foi um Jardim de Infância em uma pequena casa localizada no alto do morro toda engraçada de cor amarela, feita com pedaços de madeira sem muita mesa ou cadeira, quadros-negros despencando, faltava sempre giz e luz. Os banheiros entupidos, bebedouros sem água mineral e cantina sem bala puxa-puxa, pipocas e algodão doce. Doces de bananas nanicas era o preferido de uma grande parte da galera, mas estavam reservadas para os filhotes dos Guaribas, moradores sem teto, que viviam em galhos na parte sul do Jardim das Borboletas e que passavam grande parte do dia sem nenhum alimento. Iam para a escola para comer e não para estudar.

Viviam felizes, o Sapo, Lula Lelé e Bicudo, o trio bagunceiro da escola. O sapo gostava de dar susto nos coleguinhas, escondendo-se atrás das portas e pulando no pescoço do primeiro que passasse pela porta da sala. Lula Lelé sempre arrumava um jeito para colocar um dos pés na frente das franguinhas para levarem um tombo; Bicudo gostava de jogar bolinha de papel na cabeça da tia Cotia do primeiro turno e no segundo, na Abelhinha, a tia que trabalhava na biblioteca. Bicudo ria de tremer o bico, desta maneira dava para ver os primeiros dentes de leite do filho caçula de Vavá.O mais levado deles, o que sempre levava advertências da Tia Mutuca e cascudos da mãe, durante a semana.

O Sapo sempre matava aula, quando a professora fazia a chamada, uma rã imitando a voz do Sapo, dava a presença para ele. Presente, fessora! Disfarçava a rã, que era na verdade a sua primeira namorada. Fazia tudo por ele.

Quando acontecia isto, a professora sabia que Sapo havia pulado a cerca e estaria jogando bola, vestido com a camisa listrada em preto e branco. Morria de amores pelo gavião, chegava a ser fiel. Ele organizava o time, dono da bola e atacante caneleiro, um dos artilheiros do campeonato ao lado do Animal, o artilheiro da Colina. Sapo jogava muita bola, era o jogador que qualquer time gostaria de ter no elenco. Sua presença em campo chamava a atenção de olheiros e dos técnicos adversários, inclusive pela voz rouca em que dizia: “Um por todos, todos por um”.

Dali do florido campinho do Jardim, deu um salto para os campos de várzea. Ganhou fama e estátua em homenagem prestada pelo Sapo Gordo. Batia um bolão Só esteve uma vez no banco de reservas, quando o técnico Leão, para impor disciplina no elenco, devido a grande agitação liderada pelo Sapo e seus cupinchas que reclamavam dos salários em atraso. Nesta ocasião morava em Brejo Seco e estava de olho na Perereca. Aos sábados e domingos ia namorar no portão da casa da Perereca, de tão apaixonado pela Perereca que chegava a babar e fazer serenata para a namorada antes de tocar o sino da igreja para anunciar que eram dez horas da noite. Dona Rã Silva, ranzinza como era e Sapão Silva do alto de sua autoridade paterna, apenas permitiam o namoro na porta de casa e até às dez horas da noite. De longe os pais da noiva ficavam corujando o casal. Quando um dos dois exageravam nas carícias os pais davam de espirrar e tossir.

Leão Marinho velho escriba que naquela época era correspondente em Brejo Seco, através de seu jornalismo investigativo, apurou que o Sapo ficou fulo da vida, que ameaçou a abandonar a carreira de jogador para ingressar no mundo da militância sindical. Houve desmentidos. Foi um bate boca muito grande. Dizem que um dia, de um mês qualquer depois de terminar a peleja, correriam direto para o Pé de Jaca para beber suco e muito caldo de cana, mais caldo do que suco. Em conversa de mesa de bar com Lula Lelé fez uma aposta com o parceiro cismou que queria ser presidente da comunidade.

Lula Lelé na verdade, gostava mais de ler do que o Sapo, que apenas juntava álbuns e figurinhas para jogar bafo-bafo. Na hora do recreio, que hora bem feliz, o mais velho da turma gostava de jogar amarelinha. Quando não via o inspetor, ou quando este estava cochilando, aproveitava para junto com Bicudo, pichar paredes e muros.

O tempo foi passando, décadas e o namoro com a Perereca começou a ficar sério demais, que houve até casamento. Uma festa de arromba realizada assim, que o Sapo tomou posse no Sindicato dos Trabalhadores, como presidente da entidade. Anos depois, eleito presidente da comunidade. Rato Malhado, duas horas da tarde, a partir de hoje estarei junto ao Polvo, a Lula Lelé, Ostras e Baleias. Um insistente tucano de bico grande e torto de tanto usar cachimbo, sobrevoava no céu em altos vôos em direção à rampa, era seguido por urubus, gaviões de penacho, mutucas iradas. Uma marcha de pingüins seguia pela avenida principal da Comunidade do Rato Malhado levando cartazes em apoio ao Sapo.

* Imagem em exposição: Edward Saidi Tingatinga -Artista Tanzaniano.Fundador da Escola de Arte Folclórica da Tanzânia. Morreu aos 35 anos. (1937-1972)

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