quarta-feira, 16 de abril de 2008

O Caminho

















Pode ser este o caminho.
Só é este o caminho, para o encontro
marcado.
Levo
Na bagagem sonhos desfeitos, rabiscos
com manchas de ilusão, retirados de
um retrato em preto e branco desbotado
colado nas bordas com a poeira do tempo.

Em meus bolsos vazios carrego
o silêncio das horas.
A quietude solene do momento.

A chuva passeia por minha face
são apenas encontros.

Calado converso comigo.
Procuro me distrair
com as folhas e flores caidas
no chão.

Ando no compasso
da espera infinita
e
cansativa.

Deixo as
esperanças abandonadas
ao relento
nas paisagens
mortas da estrada.

Não! Não esqueci o sorriso, aliás,
nem trouxe.
Sigo por curvas sinuosas
a caminhada
que me distancia da vida
de Heloísa.

Resolvi depois de muito hesitar, já com os olhos marejados, deixar a casa de Heloísa. Sem me despedir dela, me despedia de um tempo. Em sua cama, deitada, esbanjava a natural beleza de sua idade. Heloísa continua sendo a mulher bonita que conheci em uma das caminhadas de uma manhã de setembro que fazia no calçadão. Uma troca de olhares, o inicio da conversa, no começo, era uma infindável conversa. Telefonemas durante o dia e a noite. Um jantar regado ao vinho tinto em uma cantina no bairro de Ipanema, não dos melhores vinhos, mas o nosso vinho. Não partilhávamos da idéia de quanto mais caro melhor, escolhíamos por qualquer outra razão. Não lembro como nos apresentamos, sei e lembro, que acreditei que era com uma deusa com quem eu conversava. Passou o encantamento. Sim, era a musa de minhas inspirações poéticas. Fui um vate apaixonado. Poesias muitas foram feitas ao sabor da paixão, nos embalos dos desenhos de nossos corpos agitados.
Uma troca de cumplicidades, de desejos, de vontades, da companhia, de uma amizade. Naquele dia, resolvemos ficar juntos. Ficamos morando em Copacabana, lá para o final do Posto 6, no apartamento que ganhou do pai. Filhos, pelo menos um, foi planejado e que apareceu em mês de maio, era um garoto, tão bonito quanto a mãe. Havia alguns traços que muitos dos amigos, diziam ser meu. O filho foi trabalhar em São Paulo.
Do nosso tempo, resta apenas os que ficaram guardados na memória, costurados pelas lembranças. Ontem para mim , continuava sendo o hoje e o amanhã. Heloísa, despida, deitada, com o suave aroma exalando e tomando conta do ambiente. O tempo não foi cruel com Heloísa, o tempo registrava em seu corpo o passar das horas. Por minutos parei diante de Heloísa, com os olhos busquei o passado, meu presente. Estou só, em minha companhia. A nossa animada conversa, desapareceu com a passagem do tempo, criando uma paisagem silenciosa, com intervalos para os olhares fixos. Mudos, não conseguimos mais dizer um ao outro. O silencio dizia mais coisas do que mil palavras cruzadas entre nós.
O pequeno apartamento me deixava sufocado, sem voz. Claro que sabia que não era o apartamento, um conjugado, era a nossa relação que demonstrava o momento de esgotamento. No primeiro domingo daquele mês, procurei conversar com Heloisa, no primeiro momento, recusava a conversa, o assunto, não lhe interessava. Do quarto onde estávamos caminhou para a sala, postou-se no sofá diante da televisão, aumentou o som, mais do que o normal. Heloisa encontrava com a vida, com a novela, chegava a falar sozinha ao comentar o noticiário. Vivia assim, com os prazeres do cotidiano. Lia um livro. O último que lia, vi quando deixou em cima do sofá, era Meus Queridos Estranhos, de Lívia Garcia-Roza. Dava telefonemas, para a mãe ou as primas. A conversa com a mãe, sermpre era a mesma, não variava. Era um tom monossilábico, repetivo com poucos minutos, que uma ou outra tomava a iniciativa de desligar o telefone. Esta rotina estava incorporada aos seus afazeres.
Voltei para o quarto apaguei a luz e deitei. Quando levantei para ir ao banheiro, percebi que a luz da sala estava acesa. Perguntei se não vinha dormir, não respondeu. A fala que se ouvia era do filme que assistia. Não lembro quando foi a nossa última conversa, nem sei se eu perguntasse, ela lembraria.




Florence Béal-Nénakwé - Pintora Camaronesa

Nenhum comentário: