quinta-feira, 4 de outubro de 2007

O Homem e a sua bolsa - Primeira Parte

Caminhava para o ponto de ônibus, atravessou próximo aos Arcos da Lapa, fez um sinal de saudações com a cabeça ao avistar um velho amigo em pé, diante da entrada do Plaza, deu uma rápida passada pela Livraria Página, na Rua das Marrecas. Ao voltar, algumas mulheres estavam ali na esquina, olhou e não encontrou quem queria encontrar. Seguiu pela rua do Passeio, passou sem olhar as vitrines da Mesbla, o que dificilmente faz, pois passa vez por outra na seção de discos, estava atrás do último LP de Clara Nunes, Brasileiro Profissão Esperança pela Odeon, tampouco reparou o cartaz da peça de teatro, olhou por instantes o cartaz do filme estampado no Cine Palácio e dobrou à esquerda na Rua Senador Dantas, parou em frente ao cinema Vitória, colocou a mão no bolso e pegou as moedas de um troco que tinha juntado para comprar algumas revistinhas de passatempo da Tecnoprint.

Pediu desculpas, ao dar um encontrão, para uma das moças que circulavam pela calçada em busca de companhia. Viu quando o ônibus 136: Leopoldina-Bairro Peixoto, acabava de sair do ponto. Mudou de idéia, não iria para casa naquela hora. Por pouco teria esquecido de um encontro. Chegaria bem mais tarde, não daria tempo para assistir ao Bem Amado na televisão. Nem ligou para as louças jogadas na pia do dia anterior, véspera de um jantar aconchegante com Simone, que lhe fez companhia durante toda a noite, que pela manhã saiu não sem se despedir como de costume, pegou o dinheiro deixado reservado na gaveta da escrivaninha, fechou a porta devagar, desceu pelas escadas. Simone evitava ser vista ao sair do apartamento, às vezes encontrava com seu Manuel, o porteiro lavando a calçada, cumprimentava e seguia rumo ao ponto de ônibus. Duas vezes por semana, tinha este encontro marcado.

Voltou a chover ao anoitecer. Detestava usar guarda-chuva, preferia a velha capa. Era o último dia do mês. A chuva aumentava de intensidade no centro, as ruas com bueiros entupidos, começavam a ficar alagadas. As obras na cidade tumultuavam o ambiente, era um caos.Obras do metrô esburacavam a paisagem. Um grupo de pivetes passou correndo por ele, chegou a ficar assustado. O pagamento saiu no final do dia. Tinha sido descontado o vale, pego em uma emergência. O que recebia não dava para muita coisa de extraordinário.

Olhou de um lado ao outro da calçada, também para o relógio e não viu quem esperava. Pudera, não estava ali. Ele pela segunda vez, voltara ao mesmo local. Conseguiu com dificuldades falar ao telefone, depois de várias tentativas, ninguém atendia.Economizou as fichas que havia comprado.

Comprou Dulcora misto, era um hábito, colocou no bolso da calça. Na Cinelândia ficou em dúvida qual filme assistiria, se no Pathé ou Capitólio. No cinema Orly na Alcindo Guanabara, a sessão havia começado, ainda viu o último espectador, um senhor, passar pela roleta. Desistiu. Atravessou a rua, rápido no meio do trânsito. Se ela tivesse aparecido, poderia assistir a um lançamento no Metro Boavista. Tinha lido uma resenha de José Carlos Avelar no Jornal do Brasil. Antes tinha passado pelo Cine Rex, na Rua Álvaro Alvim, não gostou do filme em cartaz; resolveu tomar cafezinho e pedir um maço de Minister. Pretendia ir ao cinema e estava em busca de sua companhia. Não esperou acabar o café, acendeu o cigarro. Estava inquieto, preocupado.O relógio da Mesbla, parecia marcar o momento de espera, dez minutos ou meia hora, não fazia diferença. Não tolerava atraso. Costumava ser pontual, ela não.Acendeu outro cigarro. Outro em seguida, desta vez, pigarreou. A chuva havia parado. Desviou das poças e seguiu o seu caminho. O seu caminho de volta. Preferiu pegar o ônibus na Cinelândia, ficou aguardando por um bom tempo, enquanto assobiava Gândola, Vila Morena.

Aquele homem franzino, de passos ligeiros, uma rala barba no rosto, estava sempre com aquela bolsa a tiracolo. Havia uma grande curiosidade da parte de alguns vizinhos e colegas da firma, piadinhas rolavam, no momento em que passava. Simone da última vez que estiveram juntos, também ficou curiosa, chegou a comentar com ele. Dava de ombros, não ligava. Andava com aquela bolsa, parecia fazer parte do seu corpo, em qualquer lugar que fosse, estava com a bolsa, até mesmo no banheiro, era a sua companhia inseparável para aqueles momentos de privacidade. Parecia - comentou Helena sua colega pela parte da manhã no escritório - que o seu mundo estava ali guardado, escondido, carregado. Não poderia ser visto. Estava vedado a curiosidade alheia.

Observação: Imagem exposta pertence ao acervo da artista plástica paulistana Niobe Xandó. Nascida em Campos Novos do Parapanema, em 1915. Importante e talentosa artista, com exposições em nosso país e no exterior. Dona de um acervo muito rico e com características muito especiais. Produzindo em óleos e acrílicas sobre tela, trabalhos em serigrafias, em nankim e caneta sobre papel, que foram expostos no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Os trabalhos podem ser examinados em sua bela página. " O Suicida", 1957 - 16 x 21 cm

Continua.

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