domingo, 27 de abril de 2008

O Louco da Colina - Final





Depois de muito tempo, passado anos e anos, o paciente Sapão como também ficou conhecido no hospício o Louco da Colina, ganhou contra a sua vontade através de numerosos abaixo-assinados de pacientes de todos os pavilhões pedidos à direção do hospício para que o mandasse de volta para casa.Que nunca mais para ali voltasse. Conseguiram após muita luta, pois resistia com unhas e dentes, em muito qualquer tentativa de transferência. Ninguém mais suportava a presença dele no hospício, era muito danosa ao ambiente hospitalar. A leitura de um manifesto contra a sua permanência no local, desencadeou protestos em tudo que era lugar, incendiando os ânimos. Havia cerca de 1950 internos protestando contra o Louco da Colina. Formou-se uma imensa torcida contra o Sapão. Hei Sapão, a tua hora vai chegar! Foi uma loucura geral no sanatório. Não havia mais clima para a sua permanência, devido aos mandos e desmandos, achando que tudo que estava a sua volta, era dele. Ninguém poderia contrariar que partia para cima, passar perto da árvore que ele ficava agachado e alisando por horas, era um problema cada vez maior. Sua primeira reação era lançar um olhar de fúria e com a boca espumando agredia com tapas e socos os internos. Ficava muito irado. Resistia a qualquer ordem superior, ignorava solenemente.

No final da tarde Dr. Simão pressionado pelos internos, foi procurar a ficha do paciente e não encontrou no arquivo, havia sumido. Procuraram por todos os lugares, sobrou apenas um papel encontrado na lixeira da enfermaria do segundo andar, que lhe possibilitou garantir a alta do paciente. O interno do Pavilhão Nove ao ganhar liberdade, foi um alivio para todos no hospício Uma comissão de internos de imediato preparou uma noitada de samba. Tilde Peito de Melão pulou de alegria e a cerca, com mais oito internas. Vovó Sinhá uma das mais antigas da Ala das Mulheres, não estava disposta a ir, não gostava de samba, curtia muito funk. Todos a partir daquele dia viveram uma vida normal no hospício.

sábado, 26 de abril de 2008

Silêncio, os cachorros estão latindo.











Não estamos no mês de agosto, mas com toda a certeza, o cachorrinho da vizinha é louco, late o tempo todo e a qualquer hora do dia. Como tenho escrito ultimamente durante a madrugada para fugir um pouco do barulho de Copacabana, sou testemunha nestas horas da presença dos neuróticos cachorros da vizinhança, que latem sem parar. Há latidos e uivos diversos produzidos por diferentes raças de cachorros, mas com certeza é um animal de pequeno porte. Não tenho conseguido identificar pelos latidos, qual seria a raça do cachorro que acabam com um momento silencioso da noite. Claro que os animais não são os únicos que fazem barulho, há outros sons urbanos, que são irritantes. Aliás, os latidos estão incorporados ao cotidiano da vida urbana, como é o caso do bairro onde moro.

Fomos donos (eu, a companheira e o filho) de um cachorro vira-latas que viveu por dezessete anos, durante toda a sua existência procuramos minimizar bastante os seus latidos, claro que alguns fogem do controle, é instinto do animal se comunicar de algum jeito, daí os latidos que podem significar várias coisas. Cabe ao dono educar o animal. É possível com o passar dos anos o meu grau de neurose tenha aumentado em muito, entendo, que não seria capaz de conviver com um animal latindo o tempo todo ao meu lado, sem passar por uma reação, afinal não estou isolado, vivo em prédio e em uma área urbana.

Gosto de animais, depois que Kim morreu; decidimos, eu e a companheira, não teríamos mais nenhum cachorro, digo cachorro, por ser esta a nossa preferência, em vez de gatos, ou passarinhos.

Fico espantado e muito irritado com a capacidade das pessoas de não se tocarem que o animal que tem sobre os seus cuidados perturba, senão a vizinhança, pelo menos um dos seus vizinhos. Muitas pessoas não entendem que o direito delas termina onde começa o do outro. Acho que estão cegamente convencidos de que os latidos do totó, senão incomoda a elas, aos outros muito menos. Admito que as vizinhas dentro de um modelo individualista de pensar as relações sociais poderiam me recomendar que os incomodados que se mudem.

Entendo que a população canina de Copacabana é numerosa, outro dia, de bobeira na janela, observei que é constante o movimento de cachorros com os seus donos pelas calçadas de ambos os lados. Quando caminho pelo calçadão observo, a presença de caninos. Não há um grande intervalo sem passar algum cachorro, sem ouvir latidos e brigas entre eles. A orla de Copacabana é uma festa para os bichos e seus donos. Em períodos momesco há o surgimento do Blocão, um bloco de carnaval animado para os donos e seus respectivos animais. Há sempre atividades no bairro envolvendo a turma de quatro patas.

Quando tivemos o Kim sempre quando o levávamos para passear, pegávamos o jornal para ser utilizado no momento necessário. Em Botafogo foi o bairro que moramos quando Kim era um filhote, o uso do jornal pelas ruas do bairro gerava elogios dos passantes. Ouvi algumas vezes elogios de pessoas de dentro dos carros. Isto era no final dos anos 70 e começo dos 80. Respeitamos sempre o espaço alheio, principalmente a calçada, pois, conduzíamos um animal; depois vieram campanhas educativas, que contaminou um pouco os donos de animais, passaram a usar sacos e jornais. Vejo que há muitas pessoas que deixam os seus animais fazerem suas necessidades pelas calçadas, nem ligam para o próximo, acham que sempre terá alguém para limpar o que sujou e que a condição social de quem limpará é inferior à deles. Já vi olhares de censura para este tipo de pessoa que estão acima de qualquer mortal, mas que continuam desrespeitando o próximo, não se tocam, são refratários. Nem falo dos que andam sem coleiras e guias, como o caso de pit-bull, rottweiler e fila. Os jovens senhores donos destes cachorros ignoram qualquer regra, qualquer lei, alguns são tão ferozes quanto os seus animais. Sou um dos que desde pequeno não tinha medo de cachorro, mas de uns tempos para cá, fico apreensivo em esbarrar com estes agressivos animais, o noticiário a respeito reforça em mim, uma preocupação que, aliás, ninguém deve perder de vista.

Interrompi a publicação da finalização de um dos meus contos para abordar um dos assuntos que chama a minha atenção enquanto morador de um bairro com grande contingente de moradores produzindo os mais variados ruídos. Fica difícil proclamar qualquer garantia de sossego, fica inviável, usufruir momentos de silêncio.





Domingos Alvarez - Pintor Galego

sexta-feira, 25 de abril de 2008

O Louco da Colina - Parte 4









- Você é doido demais! Louco varrido. Preciso ir, estão me esperando lá fora. Vai rolar muita festa.

- Não vá embora, dou tudo isto aqui para você. Prometo fincar aquele tronco para sempre. Olha como está bonito. “Ai que vontade de te ver, te abraçar e te beijar, te amassar e te beijar.” Você é a minha razão de viver.

- Este lugar não é a sua propriedade, você tem muitas outras propriedades, esta não é sua. Você veio a fim de conversar com o diretor e passar um período neste aprazível lugar. Me solta, me deixa. Estou livre. Encerrei, não dá mais. Minha vida agora é em outro planeta e você sabe muito bem onde que é, somos de lá.

- Tá doido diabo, fala baixo, quer estragar tudo. Você está redondamente enganado, isto aqui é meu. É meu! É meu! É meu! Quem manda aqui sou eu e ninguém mais. Esbravejava cada vez mais alto. Parou de gritar por uns instantes para cheirar o sovaco. Cada louco com a sua mania e a minha é gostar de você, de cheirar e lamber sovaco, chutar cachorro morto e fazer previsões furadas.

- Professor escuta. Chega mais perto, daqui dá para ver e escutar. É o Louco da Colina, está perto daquele homem nú, acocorado, que lê a bíblia, ao lado de Tião Medonho. - Professor, ainda não viu? Olhando mais a direita, vê a Matilde Peito de Melão namorando embaixo da escada, passa daquele maluco metido a besta falando para as paredes, um que está em pé no pátio com as mãos na cintura, passou a imitar a Carmem Miranda, não é o que está atrás dele, este o Dedé Rola Pequena que está sempre com uma gravata de garçom no pescoço, com uma cigarrilha apagada no canto da boca, é o mesmo que namorava a pouco, embaixo da escada. Assim que ele vê a Tilde, vão para embaixo da escada. Fazem amor até de madrugada, depois cada vai para um canto dormir.

- Já vi, é um homem fantasiado com uma roupa verde, muito gordo, com uma cartola na cabeça.

- Sim, é este mesmo.

- Quando passei por ele, xingava muito, bufava, soltando fumaça pelas ventas, está muito agitado, grita e baba muito, alguém o contrariou. Vi que ele conversava com um homem baixinho e careca, trajando camisa preta e vermelha. Só vi o cara dando uma corrida parecia com um foguete à impressão é de que estava atrasado, mas saiu tão rápido, achei que ia partir para outro planeta.

Dois dias depois. Era noite, alguns dormiam ao relento, outros em camas beliches. Pinduca era um dos loucos mais respeitados no manicômio, fora recolhido na rua, andava perambulando. Foi músico, perdeu família, emprego, viciado em drogas. Andava todo rasgado, como se fosse um hippie. Depois que veio para cá, passa o dia tocando violão, fica tomando sol, a tarde gostar de pregar no meio da praça sobre a reforma psiquiátrica e a noite fica em cima do telhado, uivando para a lua.

Era bem tarde da noite, com poucas luzes acesas, dali percebeu uma movimentação estranha, era um homem vestido de verde fazendo o maior qüiproquó no salão, dava tapas e cascudos, mordia a orelha de quem o perturbasse. Expulsou todos que estavam ali. Eu sou o dono do mundo, deste lugar, tudo que está aqui é meu, empurrou violentamente contra a parede e desfechando seguidos pontapés nas canelas do Dmitrievitch, mais conhecido como Dmitri ou Gringo da ala E, tudo porque havia acabado de contrariar o homem vestido de sapo. Dmitri ficava sempre vestido com roupa de guerrilheiro, embaixo do braço, um album de fotografias dos amigos desaparecidos,foi um militante político muito combativo do Movimento Revolucionário, muito querido no hospício, era um revolucionário com a mania de ser Che Guevara. Lutava pela libertação dos povos latinos.

Pela manhã, Doutor Simão mal chegou à Casa Verde, foi interrompido no corredor para uma conversa com Dona Neide, narrando o que aconteceu na noite anterior com o paciente da ala E do Pavilhão Nove, o tumulto que fez, quis bater em todo mundo, gritava que isto aqui é dele e de mais ninguém. É um louco furioso, disse examinando o prontuário com um ar de preocupação, precisa de um neuroléptico sedativo. Doutor Simão o remédio está em falta, chega no ultimo dia útil do mês que vem. Vamos colocar na cela de castigo. – Dona Neide, por favor, chame o enfermeiro Leandrão. - Não posso doutor, faltou ao trabalho. Deixou recado dizendo que ganha muito pouco e vai para outro hospital particular ganhar muito mais.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

O Louco do Colina - Parte Três








- Que foi maluco?
- Sou louco por você! Sou louco por você. O que você faz aqui? Até que enfim encontrei com você. Minha vontade, meu desejo é de te beijar agora, puxar estes poucos cabelos, te fazer cafuné.
- Qual é parceiro, está me estranhando? Ainda mais vestido deste jeito.
- Fiquei muito feliz de encontrar com você.
- Sumiu por quê? Por que sumiu? Onde você estava que não respondia.Mandei recados, telefonei, mandei e-mails, fui à praia e nada de achar você.
- Você é aquele que estou pensando? Perguntou muito desconfiado
- Pois é, começaram a espalhar que fiquei com um parafuso a menos por afirmar que havia uma torcida que não era deste planeta. Na verdade não estou internado, as mil loucuras que fiz, não são suficientes para ficar internado. Se você é você mesmo, tô na bronca contigo. Vacilou e pronto!Deixou furo comigo. Perdeu! Já era. Vá reclamar com o Bispo Sardinha.
- O que você faz aqui neste lugar, onde só da louco.
- Vim buscar um amigo meu louco por mulher, cismou que quer ir ao show da Garota Melancia. Vamos depois dar um giro pelos bares da vida.
- Vai ser uma loucura, a mulher bate um bolão. Aquilo é demais.
- Não quero saber de show de melancia, de morango, de jaca, de qualquer outra fruta. Você ainda não me falou o motivo de seu desaparecimento. O que fez você mudar de idéia?
- Paizinho, deixa antes dar um beliscão neste nariz de Pinóquio Para você entender, você teria de ser de outro planeta.
- Mas já disse a você que sou de outro planeta, esqueceu? Que sou lunático, fanático por você. Lembra de uma vez que você jurou que era americano, nem acreditei nesta lorota, sei que você morava neste país tropical e bonito por natureza, na época, se não falha a memória tinha uma nega chamada Tereza, andava de fusca do amigo Jorge, pra cima e pra baixo. Foi uma tarde maravilhosa em que recordamos nossas promessas. Só eu e você. Você e eu, sentados à beira do caminho tomando guaraná. Bons tempos.
- Agora você me botou numa furada. Ao dizer que vai, mas não vai. Tá vendo aquela árvore ali atrás, perto do banco. Você está ali. Repito. Você está ali. Seu espírito, seu corpo. Você será eterno.
- Eu não estou lá. Nem vem que não tem. Quer me deixar louco. Estou aqui, bem perto de você, com esta camisa preta e vermelha. Interrompeu a conversa para beijar a camisa. Vamos sair da passagem, estamos atrapalhando as pessoas que querem ir ao banheiro.
- Que se dane os outros.
- Pára! Quero que me olhe, olho no olho, sem pestanejar. Você sabe e o mundo também que eu sou de veneta. Faço sempre o que der na telha. Planejava o meu futuro e sem você, o meu presente, só fica no passado. Olha mais uma vez para aquela árvore, como você está bonito. Agora também com esta camisa, fica um encanto.
- Você é louco de pedra mesmo, para dizer que eu estou lá. Quando cheguei vi um enorme sapo ajoelhado beijando uma árvore, era você? Na verdade aquilo é um pé de quê?
- De Jequitibá. Ali ninguém mexe se mexer vai se ver comigo. Não há louco que se atreva. Tudo que você representa está naquela árvore, quem seria o louco de derrubar uma árvore. Tranquei a árvore, passei uma corrente com um cadeado a sete chaves, como sou louco e não bobo, engoli.
“Ah! Eu to maluco! Ah! Eu to maluco!” Daqui não saio, daqui ninguém me tira.
- Cara! Você é muito louco mesmo. Piradão! A árvore pertence à Colônia, foi plantada segundo uma amiga professora de História desde 1898, passou por alguns lugares e depois foi lá para aquele bairro da zona norte.
- Faço tudo por você! Imito passarinho se quiser. Dou cascudos e chutes no traseiro do primeiro animal que eu encontrar pela frente. Converso com cachorro pit bull, mordo a orelha dele e se duvidar faço dele um cachorro quente. Continuo fantasiado de sapo para brincar com as criancinhas. Chamo urubu de meu louro, mordo minha orelha e o dedão do pé; tiro bala da boca de criancinhas,me transformo em profeta, começo a dizer coisas até que Deus duvida.
- Mas aí parceiro, que roupa mais estranha.
- Pedi emprestado ao Beto Chulipa a fantasia para não ser confundido com um sósia que enche o meu saco toda vez.que me encontra. Como gostei muito daqui, quero comprar estas terras, quero morar aqui com a família.Vou tirar muitas fotos daquela árvore. Olha bem a copa.
- Mas está a venda? Como vai comprar?
- Nem sei, nem quero saber. Quero comprar as terras deste antigo engenho, fazer vários campos, cada um mais moderno que o outro. Fiz contato com varias empresas estrangeiras, todas se mostraram interessadas.

terça-feira, 22 de abril de 2008

O Louco da Colina - Parte Dois









É um homem vestido de sapo, tentou falar o que estava em um caixote segurando uma boneca de pano. Cala boca maluco! È o Louco da Colina. Ouvi por muito tempo falar de sua fama de mau.Tão mal que nem pica-pau. Meu tio que foi garçom no boteco de seu Juaquim contava as maiores loucuras dele, cada uma de arrepiar, todas sinistras. Vamos nos esconder. É perigoso ficar por perto. Já tremendo da cabeça aos pés, foi à sugestão do mais medroso da turma que andava pra cima e pra baixo vestido de Gato de Botas. Calma pessoal, gritava enlouquecido o interno do Pavilhão 9, que ao saltar de cipó por pouco não pisava nos calos de Zé do Boi, que estava ali, por ter acabado com o seu serviço na cozinha. Cuidava da gororoba da turma. O apelido ganhou por conta das histórias incríveis que contava de seu tempo de vaqueiro, em que pegava touro à unha. Todos pediam bis, para contar mais histórias mesmo que ninguém acreditasse, todos riam e aplaudiam.

O estranho visitante, muito confundido pela maioria dos internos com um sapo, continuava com a caminhada, até chegada à sala do Doutor Simão, restavam uns cem metros. Como perdeu a calma por ainda não ter chegado ao local, passou a caminhar de modo apressado e bufando. Um engraçadinho escondido passou a orquestrar as primeiras vaias e xingamentos. Parou e começou a esbravejar contra o desconhecido, soltou cobras e lagartos, para seguir em frente, aliviado. Não sou de engolir sapos, nem gosto de comer pererecas.

Um enfermeiro barbudo, com mais cinco, atrás de uma porta aguardavam o novo paciente, para vestir uma camisa-de-força, tamanho GG tudo feito para que se sentisse confortável dentro da nova vestimenta. Quando viu passar o estranho visitante, reconheceu de imediato, foi o mesmo que ao ser chamado com urgência resistiu bastante ao internamento. Nem com o Sossega Leão, o deixou mais calmo. Vai ser um caos maior neste hospício quando num ataque de loucura, gritar que é Deus. Como é cobra criada, comentou baixinho para não ser ouvido.

Antes de chegar ao gabinete e ao dobrar a esquina viu uma árvore e saiu em desembalada carreira em sua direção, de um bote só, tratou de ficar agarrado ao tronco, que não havia jeito de soltar. Puxaram de um lado pro outro, e nada. Nem jogando água fria resolve. Solta a árvore! Solta! Larga! Do jeito que está, só dinamitando Psiu! Rápido! Fala com o Poeta, o assistente do Dr. Simão para pegar com urgência, lá na Casa Verde, no quartinho dos fundos, na prateleira de cima, um pacote dentro de uma caixa preta. O Doutor Simão vai aguardar mais alguns minutos para conversar, disse a secretária Neide.

Não houve jeito. Ficou tão ligado ao tronco que passou horas alisando de cima para baixo, depois de muito babado passou a beijar de estalar o tronco. Seu olhar hipnotizado ao ver o seu objeto de adoração, foi testemunhado pelos internos e pelos funcionários da Colônia. Coitado! Comentou o funcionário Seixas que soube uma vez por seu amigo, que ele se esforçava para ser um sujeito normal e fazer tudo igual.

Ajoelhado diante da árvore fez juras de amizade e amor eterno. O que tanto conversava ao pé da árvore, era o que queria saber um paciente que estava prestes a receber alta, pois ficaria em casa para tratamento. Precisa muita cara de pau, para se submeter a isto. É ele mesmo? Não conseguiram mesmo controlar a sua maluquez. Um senhor que cansado de tanta confusão, antes de voltar para a cama, comentou com o vizinho, nunca com a idade que tenho, vi com estes olhos que a terra há de comer, um homem ser tão aficionado por um tronco de árvore. É uma vergonha, vi lambendo, cheirando e alisando freneticamente o tronco.

Com o tempo ainda conseguiu da direção permissão para colocar uma grade de proteção, para que ninguém se aproximasse. Contratou um monte de segurança. Seu comportamento, muitos afirmaram que mudou para pior depois que viu o tronco da árvore.

Compadre, falou para o vizinho, que grande escândalo aprontou o homem fantasiado de sapo fez ao encontrar com o gordinho, baixinho e careca, aquele interno da ala 11 que chegou a poucos minutos e bate um bolão em nossas peladas de sábado. Ele não é interno compadre, ele é visitante, como joga muita bola, Tobias, este sim, que é interno da ala 11. Como não consegue ficar longe da bola, convidamos para jogar em nosso time. Ganhamos todas. Com ele, não há quem possa, mesmo com os fios brancos de seu cabelo.

Quem me bateu foi um cara do pavilhão 9, da galeria dos alucinados, um jovem de nome Alex Lunático ou Girafão como muitos gostam de chamar. Sabe quem é? Sei sim, é aquele que vive tropeçando nas próprias pernas ao correr na hora da ginástica. Pois é, disse que estava pendurado na grade, presenciou uma cena inusitada. O homem vestido de sapo ficou enlouquecido quando foi ao banheiro, esbarrou na porta com uma pessoa que parecia ser seu conhecido, trajando uma camisa com as cores em preto e vermelho. Quando encontrei com Girafão no corredor ainda ria muito daquele encontro. Não pude evitar ri também que nem louco, aliás, louco já sou.

Como fazia naquele tempo toda espécie de loucura lá na rua, a minha familia, não aguentando mais, resolveu me deixar aqui, acabaram que se esqueceram de mim. Ninguém me visitava, sai uma vez no Natal, fui encontrar com uma filha. Não tive coragem de falar com ela, nem cumprimentar, coisa que mais queria. Fiquei contente compadre Virgulino, só em ver os meus netos, eram dois meninos. Cada um mais bonito do que o outro. Umas lágrimas escorreram de meus olhos, não tinha lenço, acabei enxugando na camisa. Fiquei parado do outro lado da calçada, peguei um pedaço de papel, era um bilhete, que guardo sempre comigo. Olha como está rasgado e amarelado, dá para ler o nome dos netos. Vê se consegue? Consigo sim, compadre. Diz aqui no bilhete que são dois meninos levados da breca. Escuta compadre o escândalo que o homem vestido de verde, como se fosse um sapo, faz.

Filho, você aqui! Procurei você por todos os lugares. Caiu em seguida em um pranto incontrolável, balbuciava: Seu amigo da onça, quer dizer amigo, meu irmão, camarada, fiz tudo para você, ainda faço tudo por você, que ingratidão comigo, nunca, nunquinha, pensaria que fizesse isto com o seu amigo, sou o seu verdadeiro pai, um pai patrão, é verdade, mas acima de tudo um bom pai. Foi uma crocodilagem sem tamanho. Interrompia o diálogo para chorar pelo leite derramado. A que ponto cheguei não posso aceitar que tudo tenha sido feito em vão. Tudo que andam falando é uma mentira deslavada. Uma cascata.Você não disse o que andam falando por aí. Mesmo que repitam por diversas vezes, nunca será verdade.
- Tá louco quem é você?
Não conseguiu responder, soluçava muito.


segunda-feira, 21 de abril de 2008

O Louco da Colina - Primeira Parte









A Colônia recebeu com alegria incontrolável a notícia da chegada de um novo hóspede. Mais um! Mais um! Era o coro ouvido à distância. Foi uma loucura geral. Foi uma correria. Muitos chegaram a bater cabeça com cabeça. Uma pequena briga agitou o ambiente, mas foi logo apartada, era uma disputa pelo melhor lugar, nada que não pudesse ser resolvido com uma conversinha ao pé do ouvido com os donos do pedaço.Todos queriam ver aquele louco com fama de louco.

Eram dez horas da manhã, quando chegou. Assim que abriu a porta do carro, foi logo chutando um abelhudo que tirava fotos para uma revista. Deu um drible em um repórter e uma cusparada.Um velho papagaio de pirata passou a sua frente para pedir vários autógrafos, não deu nenhum, recebeu apenas sopapos e cascudos. Muitos que o conheciam sabiam que estava sempre dominado por violenta emoção, mas fingiam que nada acontecia, e quem era bobo de contrariar, virava logo um inimigo.

As noticias que circulavam antes deste providencial internamento, era que foi visto, berrando bem alto anunciando: Sou o dono do mundo e da bola, tudo isto aqui, é meu e de mais ninguém. Passou em seguida a insultar a todos, cuspir e dar sonoras gargalhadas pendurado no lustre do salão principal. Uma minoria que não era levada a sério, mesmo assim, afirmava que flagraram dando voltas e mais voltas em torno de si, na tentativa de morder uma das orelhas. O boato tomava conta do ambiente. Os pequenos grupos que ficavam do lado de fora na calçada conversando perto de um poste perceberam que um sujeito após vários murros começou a subir pelas paredes de tão enfurecido que estava. Não deu outra, era ele mesmo. Coisa de maluco era o comentário geral.

Tudo começou quando um operário numa bela manhã de agosto encontrou enterrado em um buraco com certa profundidade, coberto por muita grama; lá se vai alguns anos, um enorme objeto, na verdade, era uma caixa feita de madeira de dar em doido que se assemelhava em muito vagamente a uma urna. A noticia da descoberta, mal foi noticiada, para em seguida ser logo desmentida. Nada foi encontrado, assim foi declarado em nota oficial, era um simples osso enterrado por um vira-lata que morava nas redondezas e que foi confundido pelo ignorante trabalhador, com sendo uma urna.

O que se conta é que foi uma piração total, assim que recebeu a noticia do achado, com a boca espumando, olhos arregalados foi logo dizendo que era dele. Avançou sobre o objeto, arrancando dos braços do assustado homem. Tratou logo de dar um sumiço na caixa. Sumiu, ninguém sabe, ninguém viu. De lá pra cá, passava o dia, vendo fantasmas, ouvindo vozes do além e imagens masculinas. Eis que de repente por uma delas, ficou muito fissurado, a ponto de exercer uma idolatria fora do comum. Por aquela, vamos dizer paixão, faria qualquer loucura.

Na hora de ir para casa escutou ao passar pela portaria, um senhor que trabalhava como porteiro comentar sobre a descoberta do colega, levou logo um pontapé no traseiro; a moça do cafezinho, que conversava com o seu Manuel, o porteiro, teve a bandeja derrubada por tapas em suas mãos, apenas por comentar entre eles que o objeto achado era muito bonito e deveria valer muito. Não suportou ouvir os comentários, mandou os dois para o olho da rua. Se tivessem alguma coisa a receber, coisa que duvidava que fossem reclamar pelos direitos na justiça.

Começava assim mais um dia de fúria, que a cada dia era mais freqüente. Ficava fora de si. Até que, não se sabe bem o motivo, apareceu de supetão, naquela velha instituição psiquiátrica da zona oeste.

A desculpa esfarrapada dada aos filhos, é que iria fazer uma visita ao museu;aos amigos que ali estavam internados contou uma lorota ao propor a compra daquelas terras para fazer campos e mais campos para jogar pelada com a família.Comentário geral em uma rodinha, com certeza, só pode ser louco. A família muito preocupada discutia entre si, uns achavam que eram os sonhos e pesadelos que tinha desde a infância. Era na verdade um menino rico e mimado, outros achavam que eram delírios. Era um comportamento estranho e preocupante. Por mais que estivessem feito previsões, deu no que deu. Muitas eram as manifestações egocêntricas, assim, encasquetou que tudo que via pela frente, era dele e ninguém tascava. Tudo e todos giravam em torno dele.

A direção o aguardava. Depois de dar os primeiros passos, bastou um interno fazer caretas para logo partir para cima do homem, um senhor com anos de internamento. Daqui, pendurado desta grade me parece que é um enorme sapo e com nariz de Pinóquio que está se aproximando, berrou apavorado o sujeito que levava a fama de biruta que trabalhava na lavanderia. Também vejo um sapo, gritou o que estava em cima da árvore, chupando manga. Vejo um grande sapo, disse o anão encostado ao muro. Um sapo gordo usando cartola e carregando umas tralhas debaixo do braço. Se ficar internado aqui, será um louco de carteirinha. Vai ser doido de pedra. Um louco de curiosidade deu um salto e acabou vendo do que se tratava, mas saiu em louca disparada, rindo que nem louco, sumiu, após dar uma cambalhota, não espalhando o que tinha visto.

Não acredito no que estou vendo! Quando me contaram não acreditei. Belisca, belisca, me belisca que vou dar um troço, disse a secretária Neide, este hospício vai virar um inferno. É o mais louco dos loucos. Pelo amor de Deus, vamos mandar ele de volta. Por qualquer coisa, fica furioso. Tudo tem de ser respondido do jeito que quer ouvir, caso contrário sai distribuindo catiripapos nas pessoas, sobra até para quem estiver passando na hora. Um interno de bigodinho bem aparado, engravatado, segurando “Mein Kampf”, escondido atrás da porta, ficou louco de alegria em saber de quem se tratava. Achou que demorou muito em aparecer. Estava faltando ele, o nosso líder, nosso messias aqui neste hospício. Hei, hei, será o nosso Rei. Heil! Heil! ! Sieg, Heil! Heil! Heil Führer! Führer mein Führer! Anauê! Entoava as velhas saudações dos tempos em que era chamado de galinha verde. Será o nosso profeta. Fez as saudações costumeiras ao homem que passava, que respondeu de imediato esticando os braços e com um largo sorriso de aprovação. Passo depois para lhe dar um beijo, gritou para o homem do bigodinho e seguiu em frente em direção do gabinete do diretor.(Continua)

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Vasco da Gama, um dirigente e sua pena.


A noticia que li de manhã sobre o dirigente vascaíno que não conseguiu obter o habeas-corpus, provocou em mim um ataque de riso, dada a obrigação da pena que o dirigente terá de cumprir. Uma delas, é a conversão em serviços comunitários, o lugar não poderia ser mais apropriado. Acredito que tenha sido escolhido de modo aleatório, desconheço os critérios. Ao recair em um hospital psiquiátrico, seja ele, Pinel ou a Colônia Juliano Moreira, acho que vai abrir enormes possibilidades do dirigente conhecer e conviver com aquela dura realidade de internamento de doentes mentais. Vai poder observar os pacientes em projetos de arte que fazem como uma das atividades destes centros de saúde. Vai conhecer muita coisa em sua passagem transitória pela Colônia, que ali, esteve internado o compositor Ernesto Nazareth, até a sua morte em 1934.
Vai lidar através desta prestação de trabalho de interesse comunitário, com um mundo que obviamente não é o seu, o dirigente pode estranhar, resistir, relutar bastante para não ser confundido com um deles. O que poderia perfeitamente acontecer se algum torcedor adversário desavisado achar que só pode ter ficado louco e ter ido para lá se tratar. Mas não é nada disso, cumpre apenas uma pena. Como é um serviço, datado em um período, acredito que não terá dificuldades em se adaptar, pois o que irá fazer será compatível com o seu perfil. Nada mais justo que não se interesse por varrer ou limpar sanitários, não que ele não seja capaz, pois parece ser um homem capaz de fazer coisas até que o diabo duvida. Serviços desta natureza, fazer assepsia em pacientes que necessitam de cuidados, poderiam o deixar louco de raiva, mesmo que alguns digam que de médico e louco, cada um tem um pouco, episódios deste tipo não seria o suficiente para que fosse confundido com um interno.
Vai pegar a oportunidade e dizer ao mundo que até nisto se sujeita, ao cumprir as penalidades impostas pela justiça, tudo com o propósito para preservar e garantir a defesa do clube que tanta ama. Para ele não importa que os outros acham, mesmo que sua postura seja através de tresloucados gestos, que sua aparente loucura dê vazão e seja exercida ao barrar as pretensões de uns insanos que não param de pensar em convocar novas eleições e vasculhar a vida intima de Sâo Januário. Tudo é feito no sentido de blindar o Vasco.
Como é para cumprir uma penalidade em serviços e não uma internação. Pois o contrário, seria uma cena que poderia verdadeiramente macular a imagem do clube. Aliás, graças a justa justiça que estamos longe de ver o dirigente atrás de uma grade, ou internado, logo ele, um guardião da moral e dos bons costumes, iria abalar os alicerces do clube da Colina. Seria o caos para o tão propalado modelo de administração que por suas carcaterísticas singulares implantadas que jamais um vascaíno verá igual
Passada esta minha fase inicial, fiquei acometido de preocupação com o dirigente, por exercer o seu cargo com tanto zelo para o qual foi confiado em missão e que em troca oferece tanta dedicação ao clube. Fiquei muito espantado, pois nem remunerado é, com isto não pudesse arrumar alguns trocados suficientes para pagar a multa.
Amigos meus disseram, que era uma preocupação boba a minha, pelo que liam nos jornais, o dirigente parece ser muito rico. Falaram e nem acreditei que tem um gasto exorbitante com o vicio, mesmo assim ponderei, tudo bem o dinheiro é dele, faz uso como bem entender. O pagamento à justiça pelo que foi estipulado, é um valor irrisório, em nada vai afetar o consumo de charutos, poderá continuar dando baforadas e fazendo previsões dos grandes acontecimentos em que o Vasco vai participar.
Pela lógica o clube dispõe de mais dinheiro do que o dirigente, logo, seria muito legal, se o clube pudesse neste momento como prova de reconhecimento do que anda fazendo e desfazendo no clube, dar uma mãozinha para o dirigente, pois tudo o que fez naquele dia e até hoje, foi para preservar o nome do Vasco; prerrogativa que lhe confere pela missão de ser o único, o mais capaz, de comandar o clube, como demonstra nos anunciados oficiais do clube.
Por estar imanado deste sentimento, desta missão, pode a qualquer momento, visando os interesses maiores do clube, não aceitar que maculem a instituição Vasco da Gama, mesmo que ele seja protagonista da noticia na condição de réu nesta penalidade. Está convencido de que deve continuar em perseguir os interesses em defesa do Vasco, está acima de tudo, é o que propaga.
No Vasco presidido pelo dirigente não cabe contestações, as permitidas e válidas são as proferidas pelo próprio. Negar por pura pirraça, não levar adiante uma solução imediata com o Fluminense na transação com Leandro Amaral, faz parte da expressão de seu comportamento, Intransigente na defesa dos interesses do clube, faz loucuras em seu nome em qualquer esfera, como a que foi feita na ocasião e lhe gerou esta penalidade dentre as tantas incluídas em sua carreira de dirigente.
Hoje mesmo que queira reparar no dano que causou em seu projeto que parece ter visto morrer na praia com a desistência de Romário em não se despedir apenas com a camisa do Vasco. Aliás, não se conforma com a decisão repentina do jogador, em fazer diferente do combinado. Mesmo que alegue que ainda há tempo, não adianta insistir, não vai haver a mesma eficácia se fosse realizada na ocasião própria para a despedida. Muito amigo do jogador, jura que não ficou abalada a longa e fraterna amizade entre eles, mas arrumou uma desculpa esfarrapada para não comparecer a um evento recente. Vamos aguardar os acontecimentos, muita água pode rolar em baixo da ponte.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

O Caminho

















Pode ser este o caminho.
Só é este o caminho, para o encontro
marcado.
Levo
Na bagagem sonhos desfeitos, rabiscos
com manchas de ilusão, retirados de
um retrato em preto e branco desbotado
colado nas bordas com a poeira do tempo.

Em meus bolsos vazios carrego
o silêncio das horas.
A quietude solene do momento.

A chuva passeia por minha face
são apenas encontros.

Calado converso comigo.
Procuro me distrair
com as folhas e flores caidas
no chão.

Ando no compasso
da espera infinita
e
cansativa.

Deixo as
esperanças abandonadas
ao relento
nas paisagens
mortas da estrada.

Não! Não esqueci o sorriso, aliás,
nem trouxe.
Sigo por curvas sinuosas
a caminhada
que me distancia da vida
de Heloísa.

Resolvi depois de muito hesitar, já com os olhos marejados, deixar a casa de Heloísa. Sem me despedir dela, me despedia de um tempo. Em sua cama, deitada, esbanjava a natural beleza de sua idade. Heloísa continua sendo a mulher bonita que conheci em uma das caminhadas de uma manhã de setembro que fazia no calçadão. Uma troca de olhares, o inicio da conversa, no começo, era uma infindável conversa. Telefonemas durante o dia e a noite. Um jantar regado ao vinho tinto em uma cantina no bairro de Ipanema, não dos melhores vinhos, mas o nosso vinho. Não partilhávamos da idéia de quanto mais caro melhor, escolhíamos por qualquer outra razão. Não lembro como nos apresentamos, sei e lembro, que acreditei que era com uma deusa com quem eu conversava. Passou o encantamento. Sim, era a musa de minhas inspirações poéticas. Fui um vate apaixonado. Poesias muitas foram feitas ao sabor da paixão, nos embalos dos desenhos de nossos corpos agitados.
Uma troca de cumplicidades, de desejos, de vontades, da companhia, de uma amizade. Naquele dia, resolvemos ficar juntos. Ficamos morando em Copacabana, lá para o final do Posto 6, no apartamento que ganhou do pai. Filhos, pelo menos um, foi planejado e que apareceu em mês de maio, era um garoto, tão bonito quanto a mãe. Havia alguns traços que muitos dos amigos, diziam ser meu. O filho foi trabalhar em São Paulo.
Do nosso tempo, resta apenas os que ficaram guardados na memória, costurados pelas lembranças. Ontem para mim , continuava sendo o hoje e o amanhã. Heloísa, despida, deitada, com o suave aroma exalando e tomando conta do ambiente. O tempo não foi cruel com Heloísa, o tempo registrava em seu corpo o passar das horas. Por minutos parei diante de Heloísa, com os olhos busquei o passado, meu presente. Estou só, em minha companhia. A nossa animada conversa, desapareceu com a passagem do tempo, criando uma paisagem silenciosa, com intervalos para os olhares fixos. Mudos, não conseguimos mais dizer um ao outro. O silencio dizia mais coisas do que mil palavras cruzadas entre nós.
O pequeno apartamento me deixava sufocado, sem voz. Claro que sabia que não era o apartamento, um conjugado, era a nossa relação que demonstrava o momento de esgotamento. No primeiro domingo daquele mês, procurei conversar com Heloisa, no primeiro momento, recusava a conversa, o assunto, não lhe interessava. Do quarto onde estávamos caminhou para a sala, postou-se no sofá diante da televisão, aumentou o som, mais do que o normal. Heloisa encontrava com a vida, com a novela, chegava a falar sozinha ao comentar o noticiário. Vivia assim, com os prazeres do cotidiano. Lia um livro. O último que lia, vi quando deixou em cima do sofá, era Meus Queridos Estranhos, de Lívia Garcia-Roza. Dava telefonemas, para a mãe ou as primas. A conversa com a mãe, sermpre era a mesma, não variava. Era um tom monossilábico, repetivo com poucos minutos, que uma ou outra tomava a iniciativa de desligar o telefone. Esta rotina estava incorporada aos seus afazeres.
Voltei para o quarto apaguei a luz e deitei. Quando levantei para ir ao banheiro, percebi que a luz da sala estava acesa. Perguntei se não vinha dormir, não respondeu. A fala que se ouvia era do filme que assistia. Não lembro quando foi a nossa última conversa, nem sei se eu perguntasse, ela lembraria.




Florence Béal-Nénakwé - Pintora Camaronesa

quarta-feira, 9 de abril de 2008

O Sapo vai a uma pelada.

Andava sumido, ninguém achava e as informações sobre o seu paradeiro, eram todas trocadas, ou mudadas ao sabor do vento... Uns diziam que ele estava em um dos aposentos do Palacete, outros mais afoitos espalhavam que foi para o mato caçar borboletas e mariposas. Um cabrito aposentado que estava à toa na vida, sentado no meio fio, apontou berrando: Foi para aquele lado, dobrou a esquina. Um esquilo que se gloriava de saber de tudo na comunidade e da vida do palacete, garantiu que o Sapo estava vendo uma pelada no aterro.
Uma pelada no aterro!
Deus do céu! O Sapo não tem jeito, comentou a Lia Saúva, falando ao celular enquanto caminhava com uma amiga. Minha amiga soube através de Lu Marmota, amiga de muitos anos, que tem um caso de muito tempo com um assessor do alto escalão do governo, confidenciou no meio daquelas horas, sem saber muito bem do que diz, você me entende, falou bem baixinho em seu ouvido que o Sapo sem dar bola pra ninguém foi ver uma pelada. Imagine! Fiquei horrorizada. Um absurdo! Resmungou a Lia Saúva pegando o filho pelo braço, Uma vergonha!
Sapo é casado com a Loura Perereca, de papel passado, deveria se dar ao respeito. Um alto dirigente da comunidade, não deve e não pode ficar exposto deste jeito. Onde se viu? Continuava falando, daqui a pouco, na certa vai ficar envolvido pelos escândalos sexuais, igualzinhos aqueles da nação amiga, onde até uma estagiária fez aquilo, que não ouso dizer o nome, com o mandante daquela nação, que só pode ser de selvagens.
Praticam o sexo selvagem! Que Deus me proteja destas coisas. Vai ser o caos se acontecer em nossa comunidade.
O celular do Sapo estava desligado, tentava pela vigésima vez falar com o companheiro. Desistiu, mas conseguiu falar com Bode Ludovico, fazendo o interromper uma reunião muito importante que estava realizando em volta de uma mesa de botão. Como era para a comadre, atendeu. Pererequinha, não fica preocupada minha linda, você sabe que o nosso companheiro, em determinadas horas, precisa de uma folga. Foi com muita luta que conseguiu uma folga, depois de cancelar vários compromissos internacionais.
A Voz da Floresta ansiosa por notícias continua fazendo das suas contra o nosso mandato, nunca aceitaram que o povo assumisse o poder. Não aceitam que a comunidade esteja crescendo a todo vapor, abrindo mais o comércio com as nações amigas. Pererequinha como você sabe, vendemos tudo, só não vendemos a mãe.
Estamos com falta de transportes, continuou a contar, os feitos do governo, as carroças estão lotadas, devido a tanta encomenda, que chegamos ao ponto de entregar todas de bandeja.
Lindinha, você sabe mais do que ninguém que o nosso Sapo, é um trabalhador, um operário mesmo, muito dedicado ao comando da nação, ao seu povo, aos amigos dos amigos, que querem como você sabe que dispute o terceiro mandato.Não tem pra ninguém.
Vamos deixar o bando de tucanos dando bicadas a torto e a direito, quer dizer sempre bicando com a direita, criando fantasmas de golpe. Sei que você está pensando agora, que os amigos falam uma coisa aqui, outra ali, que acaba irritando o nosso comandante que para dar uma basta nesta situação ameaçou romper com o partido. Vai ter para o nosso desgosto que romper com a massa de animais famintos por mais uma eleição e uma boquinha. Pelo andar dar carruagem, o trajeto pode ser mudado.
Sem muito interesse pelo papo do Bode, pois estava preocupada com o paradeiro do Sapo, seu companheiro. Pediu para a secretária telefonar para os irmãos e nenhum deles sabia, onde estava o Sapo. O mais novo chegou a insinuar que ele foi com urgência fazer uma viagem internacional, visitar a ilhota, desejava saber mais sobre a sucessão, como o irmão do homem do charuto, estava se comportando.
Queria pegar a receita para ficar tantos anos no poder como o Comandante, se tivesse de fumar charuto, fumaria sem nenhum problema.
Horas e mais horas sem dar notícias, no entanto, por volta de dez da noite, toca à campainha, o Sapo havia esquecido a chave. Cumprimenta a rã que lhe abre a porta. Assim que chegou, interrompeu a conversa e desligou o telefone. Sem graça, mas fazendo graça.
Isto são horas? Insistiu na pergunta, por mais duas vezes, sua companheira de muitos anos. Suado muito suado, com o suor escorrendo, beijou a Perereca na testa. Sapo doido para tomar uma sauna, entrou se despindo, ia espalhando as meias, o calção, a cueca, jogando o tênis debaixo da cama, a camiseta em cima do sofá, o boné em uma cadeira, e a Perereca ia atrás recolhendo as roupas e reclamando. Onde você estava que não consegui achar, disse encarando para o companheiro, telefonei para os amigos e os amigos dos seus amigos, seus secretários e nada, ninguém sabia.
Pererequinha, você está tão linda, falou o Sapo de modo carinhoso, colocando a cabeça para o lado de fora do chuveiro. Não me chame de Pererequinha, nem de Tchutchuquinha, quero saber onde estava. Onde estava já disse. Estava lá, assistindo o desenrolar de uma partida. Fingindo de surdo, não respondia as outras perguntas. No fim, depois de um tempo e de uma tosse, contou, um pouco sem graça.
Quer saber, fui ver uma pelada no aterro, que acabei sendo convidado para entrar. A pelada estava rolando, um jogo bem disputado, como houve um acordo de ultima hora para haver prorrogação, acabei para atender os pedidos insistentes do povo que assistia e dos antigos companheiros do sindicato que não tive outra escolha senão aceitar a prorrogação, mas sugeri que poderia haver substituição, bastava olhar para as cadeiras. Sou favorável, está em minha formação democrática a dança das cadeiras. Lembra Pererequinha. quando conversávamos de bobeira, comendo moscas e olhando para a lua, em frente ao sindicato? Não vou responder. Quero saber com quem estava? Estava onde o povo está. Vim do povo e ao povo voltarei de braços dados. O povo na arquibancada, assobiava, gritava delirante, o time saiu com vitória, com o placar de três a zero, os gols foram feitos por mim, mesmo que o ultimo como alegou um tucano engravatado que nem pagou ingresso, sem ser convidado para partida, achou que eu entrava em total impedimento, no final das contas, acontece, fazer o quê?
Com tudo isto, o meu povo, aplaudiu freneticamente, que acabaram por pendurar em uma frondosa árvore uma faixa, em letras garrafais, avisando: em time que está ganhando não se mexe. Enrolou na conversa com a Pererequinha, não contou que a sua amiga estava presente ao jogo.
Em uma cadeira muito especial, como espectadora, a Mula Manca acenou sorridente e mandou beijinhos para o companheiro, aguardou o final da pelada, para comentar com um papagaio que estava ao lado, puxa eles quiseram mesmo a prorrogação.



Boris Vallejo - Nasceu em Lima, em 8 de janeiro de 1941. Muito interessante é a página do artista















segunda-feira, 7 de abril de 2008

O Jantar

Domingo, hora do jantar. Neste dia, foi mais tarde do que de costume. Às nove horas. Pensava em almoço, mas os filhos, davam preferência pela parte da noite, foi o que falaram ao telefone com a mãe. Um ia sair com os filhos e a mulher, o outro, ia almoçar com uma colega de trabalho. O namorado ainda não havia telefonado para combinar o jantar. Na semana passada, ao me dar um presentinho, disse que viria, mas telefonaria antes, até agora, nada de telefonema. Márcia inquieta olha para o relógio vê as mesmas horas por seguidas vezes. Parecia que os ponteiros deixaram de funcionar, estavam com defeito, assim pensou, que chegou a trocar as pilhas, por mais novas. Ficou convencida, não adiantou muito, as horas e os minutos, marcavam em seu ritmo, a hora certa. Havia combinado com os filhos este jantar, não tinha nada de especial, em vez de galinha assada, que estava acostumada a comer aos domingos com a familia, desta vez foi feito um peixe assado, era um Dourado, colocado em uma travessa nova que comprou na sexta-feira.
A única que tinha, Ermelinda, havia quebrado no dia anterior. Afoita ao tocar o celular, esbarrou na travessa antiga, que se espatifou ao chão, fazendo barulho e assustando Márcia, que no sofá assisitia ao noticiáro da manhã. Era a segunda faxina que fazia na casa. Da primeira vez, Márcia por ter de sair para levar uma irmã ao médico, deixou a chave com o porteiro João, avisando que a faxineira, chegaria a tal hora e pegaria a chave com ele.
A presença de Márcia na cozinha assustou Ermelinda que falava ao telefone, gélida pela situação desligou às pressas, não sem antes mandar beijinhos. Ciao! Ti voglio tanto bene, sei la mia vita! Baci, amore mio. Ti auguro un giorno felice. Está namorando algum italiano, Ermelinda? perguntou espantada, Márcia, nem sabia que Ermelinda falava italiano e que tinha um namorado estrangeiro. Ermelinda era filha da faxineira de sua mãe que mora na Tijuca. Márcia ouvira falar de Ermelinda, não conhecia pessoalmente, da vez que foi apanhar Dona Maria em casa, em um bairro de Caxias, neste dia chovia muito. Pensou enquanto dirigia que poderia conhecer a filha que Dona Maria falava e elogiava tanto. Mantinha uma curiosidade, gostaria de saber como era a filha de Dona Maria. Ao dobrar à esquerda na esquina do bar, mais cinco casas, à direita, morava Maria, com um neto, filho do primeiro casamento do filho, e a filha Ermelinda.
Dona Maria aguardava a visita na janela. Abriu à porta, recebeu com beijos e abraços a filha de Dona Dulce, sua patroa. Mal chegou disse que ia passar um café e servir, bolo de milho e biscoitinhos de nata, que fazia melhor do que ninguém, deste modo fez as apresentações do que de melhor fazia. Muitos acham que é a faxina, mas não é, disse orgulhosa arrumando os biscoitos. Estes biscoitinhos Dona Márcia, faço apenas aqui em casa, o neto gosta muito. Ermelinda, diz a torto e a direito que adora. Lino, é uma criança dificil de comer, dona Márcia, gosta dos biscoitos e não come a comida, só quer miojo. Lá vou eu pro fogão fazer o tal de miojo, pior que é apenas de um sabor. Come, mas não come tudo, sempre deixa um resto. Tá na escola este ano, olha como está crescido, disse a avó passando a mão na cabeça do neto.Ermelinda, é uma menina estudiosa, precisa ver dona Márcia, mostrando o retrato em uma moldura, nunca repetiu nenhuma série, este ano vai terminar o segundo grau. Uma bela morena comentou Márcia, fixando o olhar na foto, para ganhar de Dona Maria um sorriso encabulado de agradecimento. Ermelinda não estava em casa, tinha ido em Barão de Pilar, na casa de um primo, que passava por uma crise no casamento.
Vamos Maria, estamos atrasadas, preciso chegar antes das dez horas, vamos comendo biscoitos e conversando, foi o que fizeram, para estar dez minutos antes das dez na casa da mãe.
Passado o final do ano, atendendo a um pedido de Dona Maria que estava passando por dificuldades pois o dinheiro da pensão e o da faxina que recebia, não dava para muita coisa, Márcia, arrumou para Ermelinda faxina em sua casa. Dona Maria agradeceu, pois estava preocupada com a filha se conseguiria dinheiro para pagar a conta do celular. Que tanto fala Ermelinda, olho prum lado e pro outro, tá Ermelinda, grudada no celular falando baixinho, com quem, não sei. Não me conta nada, acha que não tenho direito de saber com quem fala ou namora. Ao levar o neto para a escola na parte da tarde, ao voltar, viu que havia correspondência. Pegou o envelope endereçado à Ermelinda, depressa guardou no meio do sutiã, escondido, era a garantia de que a filha não perceberia. Quando fosse tomar banho, abriria e saberia o que tinha de saber. Olhou, olhou, mas não entendeu nada. Vou acordar cedo e vou para casa de dona Márcia, pedir para me explicar,o motivo da conta de Ermelinda está tão alta. Dona Márcia conhece tudo, é uma professora, lê bastante, vai me ajudar. Não entendo, nem tenho celular. Não gosto, não consigo andar e falar ao mesmo tempo, coisa, bem deixa prá lá.
Toca à campainha bem cedo, na segunda-feira, Márcia atende, era Dona Maria, um pouco apreensiva querendo mostrar a conta de celular da filha. Tremia, pediu desculpas para Márcia, que não era certo o que estava fazendo, mas como mãe, preocupada com a filha, trouxe sem ela saber, a conta que mais uma vez, demonstrava um valor alto. Aí, como estou nervosa, dona Márcia, tirando da bolsa um envelope aberto, para entregar. Márcia passou os olhos e viu a repetição por várias vezes de um número de um celular bem conhecido.
Não quero ver, disse Márcia para Maria, que espantada recebeu sem entender. O que foi dona Márcia? A senhora está pálida. Nada Maria, quer dizer, achei o número de telefone de Hamilton. Tenho certeza que é o dele. Não pode ser dona Márcia, a minha menina nem conhece o seu Hamilton. Nem ele conhece Ermelinda. A senhora viu errado. Era o italiano, bem que naquele dia, ficou sem graça, com a cara assustada. Que intimidade! Dona Maria vou dispensar Ermelinda da faxina, ter uma conversa séria com os dois.
Os filhos estavam atrasados, não telefonaram, o telefone de Hamilton, estava fora de área, Insisti mais duas vezes e nada. A janta, o peixe tinha sido jogado no lixo, os filhos não apareceram, o namorado, nem telefonou. Ermelinda, queria conhecer a casa do namorado, o mesmo namorado de dona Márcia. Sabia quem era ele, descobriu. Queria ver a reação dele ao ver ali, na casa, fazendo faxina, ao lado da antiga namorada, mas não foi possível das duas vezes em que foi fazer faxina, Hamilton, não havia chegado. Um dia Márcia soube por alguém, que Hamilton e Ermelinda estavam morando juntos, em um pequeno apartamento na rua do Catete, Ela era bem mais jovem do que ele, empolgado, muito empolgado começou a ficar com uma mulher mais jovem, uma bela morena.

Eleuterio Sanches - Eleuterio Rodrigues de Sá e Sanches. Pintor, nascido em Luanda (Angola), mantém uma interessante página na internet.

















sábado, 5 de abril de 2008

Passatempo

Vou escrevinhando a vida,
Na doce claridade das manhãs
Diante do espelho
Envelheço

Embalado pelo tempo
Recorto e
Colo as lembranças
Tingidas na infância
Como passatempo.

O vento levou meus sonhos
Para aonde, não sei.
Na esperança
Saio em busca deles
Retorno carregando
O mesmo vazio de sempre.




Tchalé Figueira - Pintor Mindelense

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O Sapo e as eleições.















A reunião foi marcada para às 5 horas da matina.Foram convocados em caráter de emergência os melhores amigos do Sapo: dois asnos brincalhões, cinco camelos sonolentos, três antas que acabavam de chegar da farra, duas bestas militantes e graduadas em ciências politicas, um jumento recém promovido, dois porcos, um cavalo na condição de ouvinte e representante do sindicato; uma foca fã do Sapo, que fofocava e bebericava nos bares da vida antes de fazerem piquetes na porta da Besouro e da Corcel. Seis camundongos sindicalistas que lideravam as greves nos bancos das praças. A Mula Manca, que gozava de certa intimidade com Sapo, quatro jumentos observadores, duas rãs e três pererecas para secretariar a reunião. Um grupo de pulguinhas vestidas em trajes de palhaças para alegrar o ambiente, dançando freneticamente. Todos marcharam rumo ao local do encontro, a velha sede do partido.
Antes do grande lider dos povos da terra começar a falar, toca o celular, era a Pererequinha Loura da Silva reclamando que ele não deu nenhum beijinho. Aí Nhonhoco já estou com saudades daqueles beijinhos que você dava em mim, da cabeça aos pés. Que é isso? Não é de hora de initimidades. Pára minha queridaTchuquinha estou para começar uma reunião do partido, para decidir muitos assuntos pendentes. Psiu! Pára, vamos parar! Não é hora de pensar em outras coisas, além das próximas eleições. Querida prometo que quando voltar vou cobrir de beijos e flores, disse olhando de esguelha para uma rebolativa lebre que servia café. Não estou pra ningúem, nem para o Bucho, mesmo que ele diga que quer falar com Deus. Para o camarada Huguinho diga para mandar um e-mail.
Companheiros, é chegada a horam disse estendendo a mão para um e para outro dirigente do partido e distribuindo tapinhas que não dói nas costas nos demais correlegionários. Nosso governo vai de vento em popa, mostrando a manchete da Voz da Floresta. A nação progride aos olhos vistos. Tá na cara! Só não ver quem não quer ou quem já morreu. Gostaria de lembrar que é mentira desta oposição de que beneficiamos os engravatados, os colarinhos brancos, a elite econômica e financista. Destes que gostam de ficar olhando pro céu sentados nos bancos das praças de nossa comunidade. Nosso governo é popular e democrático, voltado para os interesses das classes D, E, F,G, Combatemos a corrupção e os mosquitos.
Aqui em nossa comunidade não tem mosquito.Todos foram dizimados com o nosso programa de saneamento. Em terra de Sapo, mosquito não dá rasante, foi a lição que aprendi de meu avô. Comigo não tem mosquito! Fizemos um grande acordo para espantar um grupo minoritário radical de muriçocas, mutucas e aedes, que queriam bagunçar o meu coreto. Com medo se mandaram para o outro lado do Rio. Cheguei ameaçar que se voltassem iríamos protestar de boca fechada em uma grande passeata. Farei uso de minhas prerrogativas e usarei de um megafone para avisar em alto e bom som, caso teimam em ficar por estas bandas, usaremos sem pestanejar bombas e mais bombas de flit. Não será por falta de aviso. As arapongas me contaram que não ficou um mosquito, uma mosca para contar história. Um governo enérgico como o nosso, que não brinca em serviço. A culpa está do outro lado da margem do Rio, que sem outra coisa para fazer, nada faz.
O alcaide fica em seu trono celite por horas e horas enviando e-mails para os eleitores. Todos que recebem as mensagens, não levam a sério o que o Doutor Coelho escreve por linhas tortas. Milhões de mensagem vão direto para as lixeiras dos eleitores. No final do dia, de tanto trabalhar em prol da população, depois de olhar por horas o teto, o Dr Coelho, chama a sua amiga Ursa para brincar de roda e jogar amarelinha. Assim, passa o dia, muito feliz, achando mesmo que a sua gestão é a melhor do que qualquer uma. Nega a três por dois que não há epidemia de dengoso na comunidade, que era a mais pura invencionice de quem nada faz pelo povo sofrido e trabalhador.
O relógio batia 11 horas. A rã lembrou ao Sapo que deveria tratar do assunto sucessão que foi o motivo desta reunião de emergência. Enquanto, queimava a mufa, pensava no que falar, se sobre a rodovia ou se a ponte que caiu,na dúvida, chamou o próximo orador, o veterano sindicalista que o substituiu. Assim que cantou o seu nome, recebeu vaia do começo ao fim, pois era identificado com uma das correntes ligadas a um famoso carreirista e militante da Chapa Quente.
Como gozava da mais alta estima e consideração que chamou o Sapo pelo apelido de infância; após segurar o microfone, muito emocionado,lembrando dos tempos em que não voltam mais, agradeceu ao companheiro e advertiu de imediato no calor da hora: "Oposição pode tirar o cavalinho da chuva", repetiu mais de uma vez em cima de um palanque improvisado por caixotes e caixas de papelão, diante dos diversos animais presentes. Com uma piscadela para a Mula Manca, deu por encerrada a falação. Os gansos que faziam a segurança do Sapo se posicionaram vigilantes contra a aproximação de estranhos.
Um, dois, três queremos o Sapo outra vez, era o que se lia em várias faixas penduradas nas árvores. As sisudas abelhas operárias panfletavam o ambiente. Continuaremos a governar esta comunidade, pois não tem pra ninguém. Tucanos, Crocodilos, Bezerros, Girafas, Lacraias e Raposas, continuarão a fazer oposição e a brincar de faz de conta.





Manuel Mendive : Artista Cubano

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Lena e as amigas

















Do outro lado da Lagoa, Maria Luiza aguardava a visita combinada com Lena para passar o dia em sua companhia. As duas estavam solteríssimas, os filhos de Maria Luíza, estavam crescidos e morando fora; os dois de Lena, estavam em sua companhia. Há muito tempo que havia programado esta visita, das outras vezes em que havia combinado, nada dava certo, ora um filho que estava doente, ora um que não havia chegado em casa; nem avisada de quando retornaria à casa, estava há dias pelo mundo, na casa segundo ele, de amigos que ela não conhecia. Preocupada, cancelava todos os compromissos. Lena vivia para os filhos. Lucas, disse que ia comprar leite, um maço de cigarros e não voltou mais, abandonou com os filhos e seguiu os encantos de uma jovem, era o que foi comentado na ocasião. Desta vez, de pés juntos, jurou ao telefone que estaria no dia e hora combinados para ir ao encontro da amiga. Precisava desprairar, sair um pouco, necessitava de outros ares, era só preocupação com os filhos, falta de dinheiro, ex-sogra dando ordens, metendo o nariz onde não era chamada. Reclamações a todo instantes da mãe bem idosa com dores nas juntas, e falar da vizinha que faz barulho; além das próprias dores que sentia, de frio nos pés de seu pai, que também reclamava. Sem dinheiro para comprar, como professora aposentada, o que ganhava estava todo comprometido com as dívidas e a sobrevivência, ao dia a dia, com os remédios dos velhos, que aumentavam sempre. Ficava muito irritada. Gostaria de rever a amiga que sermpre confiou e trocava confidências, uma amizade surgida no ginásio do clube em que treinavam basquete. Dos namoricos e de um casamento que surgiu com a apresentação por parte de Lili Formigona técnica da equipe de basquete, de Lucas, seu primeiro e unico namorado.

Ao se dirigir para o ponto de ônibus, surge diante dela, a mais fofoqueira, das fofoqueiras, Há dias quanto mais se reza, mais sombração aparece. Não é que eu estava ali, arrumei uma desculpa para me livrar da companhia, não adiantou, não foi possível me desvencilhar. Não se tocava, era uma destas grudentas. Fui logo avisando de que não queria saber da vida de seu ex-companheiro, era o que todos sabiam. Lucas andava sumido, nem visitava os filhos. Da ultima vez que teve noticias, embora, negasse que queria saber, foi quando a tagarela da vizinha deu com a lingua nos dentes e contou que viu o seu ex em companhia de uma uma mulher, toda elegante, em uma fila de banco para recebimento de pensão. Lucas também muito bem vestido, enquanto aguardava do lado de fora, dando baforadas em um charuto, e olhando a paisagem urbana. Distraia não só com os movimentos dos carros, mas com quem passava pela calçada. Andava de um lado ao outro um pouco impaciente. Se você quer saber Lena, quando Lucas me viu passar, foi engraçado, chegou a fazer gracinhas, não tirou os olhos, com certeza estavam fixados em alguma parte de meu corpo. Acho que não sabia quem eu era. Amiga, olha! Vocês não estavam mais juntos. Estou falando por falar.
Por ser sua amiga, não dei bola. Em nome da verdade, ele não estava com esta bola toda, como contou aquela vizinha que mora na esquina. Nem acreditei no que contou, considerei com ela, se havia confundido, disse que não, que conhecia muito bem a figura. Eu mesma vi, com pouco cabelo, uma calvíce acentuada, mantinha uma barba bem aparada, diferente dos tempos de juventude. Observei também uma ligeira protuberância em sua barriga. Lembra de uma vez que eu lhe contar uma coisa e acabei não contando. É que foi espalhado na ocasião de que ela, a vizinha faladeira, tinha um caso com Lucas; foi o que jurou a tia de uma amiga da manicure que trabalhava no salão da Madá, aquela conhecida sacoleira que dá em cima de qualquer um.
Não quero ser chata, nem fofoqueira, Lena. Madá ficou com Lucas por uns seis meses. Uma abelhuda, destas amigas e clientes que freqüenta o salão, que por ser muito amiga de Madá, uma das amigas íntimas garantiu que foi ele, quem ajudou a montar o salão. Dizem que ficou encalacrado, nesta situação, ela ainda deu uma rasteira e uma banana para ele. Beth sabia tudo sobre a vida de Lucas. Lena você sabe que tenho apenas a fama, mas como me conhece, sabe que não sou fofoqueira. Lena apenas escutava, de olho no relógio, no fundo não interessava em nada que lhe contava. Vamos tomar um chá? Estou cansada de ficar em pé, disse caminhando para uma casa de lanches. Pediu desculpas, ficaria para a próxima oportunidade, respondeu com pressa.
Foi se o tempo em que seu coração cedeu aos encantos de um companheiro, não queria realmente saber de mais nada, mas volta e meia, aparecia uma destas amigas, para lembrar Vamos sentar naquele canto? Insistiu, Beth. Querida tenho um compromisso com minha comadre e a amiga de longa data. Sempre prometo uma visita e estou sempre adiando. Lena preciso lhe contar, estou saindo com Lucas, você sabe, sou sua amiga, nunca dei em cima dele, pelo contrário, ele quem insistiu muito. Tchau Beth, divirta-se, nem quero saber. Pegou o primeiro ônibus e foi ao encontro de uma verdadeira amiga. Destas que são difíceis de serem encontradas, mas que existem.


Naguib Elias Abdula - Artista Moçambicano