sexta-feira, 2 de novembro de 2007

A Passeata de Dadá










Depois de longa viagem, muita cansada, hematomas nas costas, bolhas nos dedos e marcas das bordoadas no lombo, conseguiu, enfim, chegar a sua casa tarde da noite. Estava em pandarecos. Veio de uma cansativa passeata, em que vários primatas participaram. Aconteceu no dia do aniversário do Sapo Barbudo, que escondido em uma varanda envidraçada, tomava conta de tudo. Do alto do Palácio, uma tartaruga disfarçada de jabuti, butucava com poderosas lentes qualquer movimento suspeito.
Naquele dia 27, Dadá saiu quando o dia clareava, assim que o galo da vizinha cantou, em companhia de duas galinhas d`angola, amigas sindicalistas, que a convidou. Colocou um pouco de ruge, batom, um beijo na testa de Didi que roncava e deu os últimos retoques antes de subir na carroça terceirizada pelos sindicalistas. Foi à primeira vez de Dadá, debutava em passeatas, ficou muito empolgada, aguardava muito ansiosa tal dia. Não estava agüentando viver em tremendo misere, com tamanha pobreza e vendo o companheiro desempregado e doente. Foi à luta sem pedir licença.
Hoje eu estou com a macaca. Viva a macacada! Repetiu mais vezes. Viva a macacada! Um bando de gorilas fardados passou correndo em disparada rumo ao lugar da manifestação, um deles aproveitou e deu um chute em um canino de camiseta que nas horas vagas e nos dias sem trabalho, vendia na rua sanduíches de queijo quente e hot dog com molho. Seu filho de uma cadela! Vai, Vai! Passa fora! Se manda! De rabo baixo entre as pernas, saiu de fininho, arreganhou os dentes, muito contrariado; conformado recolheu o que sobrou e botou sebo nas canelas.
Um grilo, depois de conferir os companheiros, de contar um por um, percebeu que estava faltando um militante, e era o coelho. Sem graça pelo atraso, o dirigente aposentado ainda esbaforido pediu desculpas aos demais membros da caravana. Um jerico provocador infiltrado em uma das
caravanas cismou de colocar uma das carroças diante dos bois, arrumou maior confusão, tiveram por muito custo remover da bestial idéia.
Foi dada à partida, em solavancos a carroça prosseguiu pela estrada afora. Contentes, iam soltando palavras e palavrões de toda ordem. O calor era imenso, mas a alegria pela atividade política de protesto era maior. Encontraram com um lobo bobo sentado no meio-fio, pedindo esmolas; uma manada de búfalos mugindo sem parar; um rebanho de carneiros balindo em ordem unida, enfileirados seguia a pé para a manifestação. Um pombo-correio solitário fez sinal para pegar carona na caravana. Pararam mais adiante o pombo pulou com ajuda de um gavião, direto para dentro da carroça, quase que perde o equilíbrio e por pouco não derruba uma bandeja de café em cima de dona raposa e de sua companheira, uma franguinha vestida em um terninho xadrez.
Demorou muito mais, uma vez que as vias estavam intransitáveis, congestionadas. Ninguém cuida das estradas! Zurrava o animal que puxava a carroça. Uma nuvem de gafanhotos e um bando de ratos de praia começaram a agir rápido recolhendo os donativos de outras carroças: como pulseiras, patacas, anéis, bolsas e tudo que viam pela frente e que pertenciam aos participantes da passeata.
Dois jumentos de talão em punho tomavam conta do transito e não estavam nem aí pelo que estava acontecendo diante deles. É certo que usavam antolhos como parte da vestimenta de trabalho e não conseguiriam resolver; acharam por bem multar a carroça que andava com a licença vencida. Estavam prontos para distribuir coices a torto e a direito e dar voz de prisão para os infratores.
Cinco batráquios do outro lado tiravam fotografias como se fossem turistas aprendizes. Enfocaram caras e bocas das sindicalistas presentes na caravana. Um deles, o mais saliente, acabou fazendo uma proposta a uma cachorra para posar em uma revista de grande circulação no Reino da Bicholândia.
Em casa seu companheiro, de boné, descansava descalço com os pés sujos esticados sobre um galho seco depois de idas e vindas em busca de um emprego. Sua labuta se fazia por mais de dois anos. Não havia vagas, as poucas que tinham foram ocupadas por muriquis mais novos, micos e sagüis. Desdentado, com pelos embranquecidos, pele enrugada pelo tempo. Trabalhou por longos anos a fio em um zoológico, foi vizinho de jaula do macaco Tião. A noite fazia biscates em um circo mambembe.
Eram outros tempos. Sem nenhuma pataca no bolso ou na mão, não sobrava nem para um cacho de bananas nanicas.Estava usando óculos sem uma haste. Um amigo da onça, político experiente, bom de voto e de papo furado, prometeu a ele e ao mundo para quem necessitasse de haste, que ele daria para todos. Só pediu para Didi um tempo, o suficiente para falar com um amigo proprietário de duas pequenas óticas.
Didi um chimpanzé camarada e compreensivo, aguardava com paciência a promessa feita há mais de doze anos. Chegou até votar nele por várias vezes seguidas, acreditando sempre nas boas intenções daquela cobra criada na Floresta de Baixo. Era um lugar gostoso de morar, devido a uma enorme devastação no ambiente, passou a ser um lugar enlameado, sem luz e esgoto; distante do Palácio apenas duas horas de carroça.
Com galhos enormes, extensa mata, arvores, rios, cachoeiras, comida em abundância, várias espécies de bananas. Banana para eles era vitamina, tinha pela fartura para dar e vender. Um dia pela manhã, sentado em um galho, coçando a cabeça, estranhou o movimento incessante de carroças, tratores, fuinhas e tatus, abrindo buracos, quebrando os galhos que viam pela frente. Chamou por Dada sua companheira, puxou um galho encostado e deu para ela sentar. Começou por perguntar se sabia dizer o que estava acontecendo. Respondeu que não sabia, mas estava muito preocupada.
Não sei muito bem, mas desde daquela manhã cinzenta e chuvosa, com a chegada dos homens da capa preta, a nossa floresta não tem sido a mesma. Quase que ia esquecendo de contar, na passeata encontrei com a tia da Lili a que mora no alto do galho seco, na carroça dando de mamar ao seu filhote, em conversa disse que recebeu uma carta lá pelas bandas da África em uma floresta tropical escrita por um dos seus primos, muito assustado e chocado com os últimos acontecimentos. Na carta escrevia por linhas tortas que gorilas, gibões e langures amigos deles de longa data, estavam desaparecendo, tinham muito pouco. Que estavam sendo dizimados, aprisionados ou mutilados para pesquisas cientificas. Só em escutar fiquei toda arrepiada.

Continua

Um comentário:

Lia Noronha disse...

Wilton: precisa mesmo editar as sua histórias..o Ramom deve estar curtindo demais..Bjus com o carinho de sempre.