domingo, 11 de novembro de 2007

No Reino da Bicholândia: o discurso do Sapo.


















A Patativa veio de Assaré, resolveu sair do brejo de onde morava para conhecer o Reino da Bicholândia. Tinha lido em um jornal velho que o vento lhe trouxe; noticias do líder que presidia a Bicholândia, em uma entrevista bomba feita pelo Velho Papagaio; o Sapo em seu coaxar diário na varanda do palácio andava reclamando das aves agourentas e dos tucanos que se queixavam por qualquer coisa que o seu governo popular e democrático realizava. Estava cansado, cheio destes animais irracionais, que não compreendiam que a Bicholândia caminhava firme com o propósito de chegar rápido em um estágio de desenvolvimento jamais visto em qualquer mundo, seja ele dos vivos ou dos mortos.

O Sapo andava irritado e deste modo, desencadeava coisas em seu discurso que eram incompreensíveis para o seu eleitor, a grande maioria dos habitantes da Bicholândia. Já não dizia cré com lé, lé com cré. Uma barata cascuda, sua eleitora de outras eleições, ficou revoltada, sem compreender o que falava o magnata Sapo Barbudo, acabou saindo do local completamente tonta, sem saber que rumo a tomar. Um vira-lata biscateiro que recolhia latas e garrafas importadas no jardim do palácio, também por não entender nada colocou sebo nas canelas e foi embora.

Da varanda o líder magnata lançou um olhar de esguelha e viu a mula jornalista, acompanhada por uma anta, que participaram de sua ultima coletiva, eram as mesmas que espalhavam notícias no jornalão que o governo reeleito, ia de mal a pior. Um assessor, o melhor amigo do sapo de longa data, sindicalista como ele, tomou as dores pra si e começou a rosnar e querer abocanhar a perna da mula. A anta que acompanhava a mula começou a espernear. Surge não se sabe como, quatro macacos que faziam à segurança do palácio diante delas. É para convidar a anta e a mula se retirarem do local o mais rápido possível, latiu o policial alemão. São ordens! O macaco mais alto conseguiu dar uns catiripapos e sacolejões na mula, que acabou dando o pinote. A anta apavorada levou uma rasteira, correu e não conseguiu pegar o celular e telefonar para o jornal. Deu de correr pela estrada afora.

A Patativa pensou que ia sobrar para ela, acabou por ficar escondida no galho mais alto da árvore, dali viu uma carroça de turismo estacionar na calçada e mariposas voarem em direção ao líder da Bicholândia. Viva o Sapo! Viva! Uma verdadeira algazarra feita por besouros que acompanhavam as mariposas. Minutos depois chega o canário do reino, pedalando um velocípede, fazia parte da comitiva, era o cantor de um grupo de pagode convidado para cantar nos eventos do palácio. Um galo cantor também compareceu, acompanhado de oito gatas sambistas. A Rádio Papagaio montou um estúdio móvel. Pirilampos a postos, fotografavam tudo.

Por volta das 15 horas e dois minutos, muitos animais sorridentes e os poucos humanos estavam em um tremendo alvoroço aguardando o pronunciamento do Sapo, que antes de começar foi interrompido por uma queima de fogos. Uma cadela ministra interina, ex-militante, sempre com cara de poucos amigos, acabava de chegar, aproximando-se do grupo. O Sapo assim que viu a ministra deu uma piscadela para ela. A perereca sua companheira, flagrou o sinal e deu um beliscão no braço do sapo e uma pisada no dedo mindinho de seu pé. Reclamando deu de pular de dor. Enquanto pulava, os animais presentes, os asnos e jumentos que estavam mais próximos ovacionavam o líder, imitando a seguir com pulos e coices a torto e a direito.

Era chegada à hora, faltavam poucos minutos, o Sapo de onde estava e de um pulo só, foi direto para a tribuna. Agora como magnata achou por bem colocar uma gravata, antes abandonada, enlaçou com dois nós e pegou o microfone. A perereca entusiasmada com o novo discurso aplaudiu freneticamente.

Começou o discurso improvisado: Não vou me transformar de Sapo em príncipe. Aqui nesta terra, que me desculpem os ecologistas e a numerosa família de ofídios, mato a cobra e mostro o pau.

- Habitantes da Bicholândia seja do mar, da terra ou do ar quero dizer para vocês que nunca, jamais houve na história deste reino uma preocupação com o bem estar de vocês e com o progresso. Pela primeira vez e digo isto com orgulho de um Sapo, que morou em brejos secos, em beira de lagoas, que passou as maiores necessidades, um misere danado. O nosso governo popular conseguiu com muito esforço igualar aos humanos a sua verdadeira condição de animais e aos animais a sua verdadeira e real condição. Fizemos a verdadeira revolução da espécie, os animais, a pedido de vocês, permanecerão como estão e os homens a pedido deles foram transformados em verdadeiros animais.

Para não dizer que não falei, os hospitais públicos continuarão como estão, pois alcançamos um nível de atendimento inigualável com poças, sem higiene e imundice por todos os lados; infiltrações e lixo para todos sem distinção de raça. Os homens de brancos a partir de hoje tratarão rigorosamente vocês como animais, com um atendimento ímpar. Nossa gestão nos hospitais, jamais vista, conseguimos com muito custo e com fortunas gastas na manutenção das precariedades, atendendo exclusivamente o desejo de vocês. Não vejo motivo de diminuir as filas no atendimento, se vocês só gostam de enormes filas. Se não gostassem de filas não precisariam, madrugar nas filas.

O povo animal adora visitar os hospitais repletos de animais doentes para ficarem internados, por puro instinto de imitação, para isso providenciamos a falta total de médicos. Construímos diversos berçários para as cegonhas, que nenhum outro governo ousou fazer. É verdade que há muito tempo, não passo por uma destas unidades que reformamos. E nem quero passar. Fui informado por dos meus ministros de minha inteira confiança que foi feita um reforma para continuar tudo como está. Neste dia, encontrei uma infinidade de burros na fila do hospital, pior que recusaram a minha sugestão de líder para voltarem para casa e retornarem ao hospital daqui a doze meses. Os burros, meu povo, são teimosos empacam por qualquer coisa, ficam engrossando a fila. Não admito sob hipótese alguma que o nosso povo animalesco por natureza seja equiparado aos humanos .

Vejam só! Construímos para o nosso orgulho e atendendo as reivindicações dos sindicatos da classe, diversos caminhos nas estradas, mantivemos os buracos maiores ou menores para os que gostam de viver em buracos, como os tatus-mulitas, que insistem em desaparecer deste verdadeiro reino encantado; as vias vicinais enlameadas para os burros-sem-rabo; deixei o mar, lagoa, rios e lagos a disposição permanente dos camelos em caravana ou não. Aumentamos o número de pousadas para os pássaros e seus filhotes. Ampliamos em duas o número de escolas em todos os graus de ensino.

De hoje em diante nenhum mamífero morrerá atropelado nas estradas, colocaremos placas com avisos. Não corram! Perigo! Animais racionais ao volante! Cuidado! Sinalizações serão suficientes, morrerá agora quem quiser. Aos tamanduás enfeitaremos com a cor do pavilhão suas bandeiras.

Meu governo popular construiu milhares de casas para qualquer joão-de-barro que se filiar ao programa da casa própria. Diversas e confortáveis tocas com ar refrigerado para as raposas. Casulos com beliche para os solitários e ninhos para os urubus. Oferecemos gratuitamente diversas vespas para as vespas como meio de transporte e sobrevivência, podendo fazer lotadas. Daremos pérolas aos porcos. Serviço odontológico para os peixes. Pastos verdejantes para boi dormir. Serviço de primeira para aparar jubas de leões e barbichas de bode, com financiamento da caixa do reino. Dois mil leitos para girafas e dromedários. Cinco mil paus de arara.

Colônias de férias para toda e qualquer espécie de animal. Daremos uma bolsa de meia pataca como ajuda para tratamento de saúde mental animal aos que necessitam principalmente aos cachorros e gatos de madames, que reclamaram deprimidos com o estado em que vivem; basta um telefonema para agendar e assinarem com um x em concordância, as meias patacas estarão creditadas em menos de cinco segundos em suas contas bancárias. Isto é uma prova da alta tecnologia que o governo popular implantou. Aos aposentados e pensionistas bípedes ou não, passarão a ganhar muito menos para evitar desperdício na compra de rações e futilidades. Com a poupança saberão investir na bolsa e poderão financiar pacotes de turismo. Um governo com a cara do povo e trabalhando como principal preocupação com a saúde animal e a sua sobrevivência. Um governo popular igual a este está para nascer. Quero me despedir dos animais que votam e me apóiam, mas digo também para aqueles que por razões que só o coração desconhece não conseguiram votar em mim.

Deixo para vocês um recado. Não adianta insistir não quero mais ser reeleito. Silêncio tumular nenhum zumbido foi ouvido.


Paula Figueiroa Rego : Artista portuguesa, oriunda de uma família burguesa, nascida em Lisboa em 1935. Sua familia muda-se para o Estoril em 1938. Vive em Londres desde de 1976. Nos anos 60 participou de diversas exposições coletivas na Inglaterra. Considerada na Inglaterra como uma dos quatro melhores pintores vivos do mundo.















Nenhum comentário: