quinta-feira, 22 de novembro de 2007

No bar da Tia Coruja - ficção animal













A pantera negra estava orgulhosa de sua negritude, desfilava pela avenida em direção ao animado grupo, pela manhã havia participado de um ato de protesto na avenida perto do palácio do Sapo. Neste mês estava sempre atuante, uma militante presente em várias caminhadas. Um gato negro do outro lado descia do telhado para engrossar a roda de samba que rolava na porta de entrada do bar da Tia Coruja. "Vai rolar a festa, vai rolar", foi à música que uma jaguatirica solitária cantava encostada ao balcão, enquanto bebericava. O velho Falcão Negro acabava de chegar, em sua luxuosa charrete conduzindo duas elegantes graúnas. O Gato Felix pintou na parada, trazendo violões, dois pandeiros, cinco tamborins; além de reco-reco para o marreco e sanfona para o melro. Uma batucada foi iniciada, o som estava alto, que do alto de um prédio, uma araponga martelava bem alto, pedindo para abaixar o som, pois acorda cedo para trabalhar. Recebeu uma sonora vaia dos presentes.

Era um clima de festa. Animais de todas as espécies apareciam naquele novo point. Um grupo ia para o bar do Juaquim e outro para a Tia Coruja. Os dois pingüins que trabalhavam como garçons nas horas vagas estavam exaustos de tanto servir, pratos e mais pratos de amendoim salgadinho para o elefante, velho freguês, no momento estava desempregado, com a tromba baixa, por causa da nova lei do circo; eram as suas últimas patacas, que retirou do banco da praça. Hoje não vai ter gorjeta! Ao levantar e ir ao banheiro por pouco não dá uma pisada em uma passarinha, que esperta, abriu as asas e não perdeu a oportunidade em dar uma bicada bem na orelha do paquiderme orelhudo.

O urubu malandro, usando uma cartola com a sua ginga toda especial acabava de encostar a bicicleta na parede do lado de fora do bar. Cumprimentou um por um dos presentes, demorou um pouco mais ao se engraçar para uma lebre, perguntando inclusive por sua mãe e os filhos dela. Um gavião um pouco grogue entrou no bar acompanhado de um louro, sentaram na última mesa, pediram uma bem gelada, pegaram duas caixas de fósforos e deram de batucar. Batatinha um gato de madame da zona sul da Bicholândia, costumava aparecer nos dois bares, era amigo de muitos, evitava ficar próximo de cachorros, dizia sempre que não falavam a mesma língua. Não gostava de lembrar, mesmo que tenha morado por pouco tempo com uma cachorra que conheceu em um baile funk. Como brigavam como cão e gato, acharam por bem morarem cada um em sua casa, quer dizer, ele para velha poltrona da casa de madame; ela para a rua, embaixo de uma marquise, no entanto, com o tempo a relação foi esfriando, que acabaram por separar.

O cisne negro cantor e segurança nas horas vagas, que achou por bem telefonar do celular, informando do atraso, pois estava na avenida, quando uma joaninha em alta velocidade colidiu com um besouro, deixando ferido este ultimo, com sério ferimento em uma de suas asas e sua acompanhante uma mosca morta estatelada ao chão. Não respeitaram nem o pardal nem o sinal. O trânsito que estava sempre engarrafado piorou de vez. Na Rádio Pirata não foi dada nenhuma noticia a respeito da batida, pois era naquele momento à Hora da Bicholândia, uma versão oficial e semelhante a que rolava entre os humanos.

Todo dia a mesma chatice, a mesma lengalenga. A locutora era a mesma arara, que ficava toda vermelha ao ler as mesmas noticias, mesmo que a audiência fosse apenas de um traço. Noticiou em uma nota torta, lida as pressas que houve sem mais nem menos, mais uma sessão de tapas e beijos no congresso. Um amigo urso se engalfinhava com um amigo da onça, por pura falta de intimidade com a matemática, com os percentuais, não chegando a um acordo, ora menos para um, ora mais para outro. Mas para a felicidade da nação acabou que um tucano apareceu para separar os beligerantes e convidar para comer uma pizza no bar do Juaquim, por conta da casa.

Era por volta das nove horas, uma carroça lotada com uma turma da velha guarda, antigas cobras criadas no subúrbio da central, bairro distante, celeiro de bambas, cerca de 20 km do palácio do Sapo. Aparecem sempre vestidos com azul e branco, estampando o tradicional símbolo da águia, foram engrossar a roda de samba, cantando: “Eu nunca vi coisa mais bela, quando ela pisa na passarela e vai entrando na avenida”. Uma onça que segurava uma mangueira que comprara na banca do jabuti, muito mais barato, reagiu rugindo ao ouvir a música. Não liga não Tião, espantado arregalou os olhos, é provocação, disse a macaca toda enfeitada, dando um beijo nele e pedindo para descer mais uma, desta vez, bem gelada.

Começava a ficar na maior muvuca, mas um jaburu inquieto olhando a todo instante o relógio, parecia não participar do acontecimento, estava triste sem a companhia da fêmea, que fazia hora extra no trabalho. Não olhou, nem reparou para uma tanajura que passava entre as mesas, distribuindo beijinhos e propaganda de candidatos para a próxima eleição.

Em uma animada mesa do lado de fora, recém chegados da floresta, ficaram sentados dois jacarés, um crocodilo, uma paca, duas cutias amigas inseparáveis, um sagüi bigodeiro, um casal de bugio preto e um mutum, este enquanto comia um brotinho, ficava calado, apenas escutava, o que sua mãe sempre dizia ao telefone, não fale de boca cheia e até hoje permanece com este hábito; rolava uma conversava sobre ecologia, papo da moda nos bares da Bicholândia.

Tia Coruja cansada de tanto trabalho começou a piar, que estava na hora de fechar, a turma começou a sair, apenas um gambá bêbado insistiu em cantar: “Ninguém é de ninguém, na vida tudo passa, ninguém é de ninguém, até de quem nos abraça”. Acabou por levar dois ou três petelecos, uns catiripapos que acabou nos braços do amigo tamanduá. Tia Coruja apagou a luz, baixou as portas e voou para bem longe, onde morava, lá onde a coruja dorme.

Um comentário:

Lia Noronha disse...

Wilton: que festa encantadora..essa que vc cria com sua imaginação!!!Bjins de bom fim de semana pra vc e sua maravilhosa família.